spoiler visualizarRick Shandler 28/01/2024
Memphis - Tara M. Stringfellow
Memphis é um livro que me surpreendeu. Não por seu enredo, que apesar de muito bem construído não é nenhuma surpresa. Tratar da violência contra negros no sul do Estados Unidos não é nenhuma novidade e diversas autoras já fizeram isso com maestria. Por mais que Stringfellow tenha amarrado muito bem sua história, costurando 3 gerações de uma família encarando diferentes nuances dos mesmos problemas, Menphis não seria o baita livro que é se não fosse um pequeno detalhe: a escrita de Stringfellow.
O livro dedicado a filha de George Floyd reconstrói as dificuldades encaradas pela população negra desde o período da segregação racial. Menphis acompanha o impacto da violência em diferentes gerações de uma família negra do sul dos Estados Unidos. Vemos o racismo institucional por um lado ceifando vidas, como as do pai e do esposo de Hazel, e por outro lado limitando vidas, como as de Miriam e August que são enquadradas em funções serviçais e não se permitem ir além. Além disso, vemos também nas figuras de Derek e Jarson diferentes nuances de violência contra a mulher.
Todo esse contexto parece construir um livro pesado, mas por incrível que pareça não é isso que acontece. Apesar de tocar em assuntos tão delicados, Stringfellow consegue achar um tom de beleza para seu livro ao trabalhar com muita habilidade uma história de resiliência, superação, cumplicidade e muita bravura, tudo com uma escrita que é pura poesia.
Definitivamente, o aspecto lírico do livro é o que mais me marcou. E não tô falando aqui de rimas, não é isso. Strigfellow é uma poeta e constrói cenas de uma potência, uma beleza e um lirismo únicos. Ressalto duas que me marcaram e acredito que qualquer leitor que tenha passado indiferente a elas deveria ao menos reler.
Primeiro, a descrição do salão da August. Há toda uma aura, uma química, uma cumplicidade nesta cena. As vizinhas não estão indo ao salão para cuidar dos cabelos. Elas estão indo lá para viver, e viver a pleno. A forma como a autora descreve esse ambiente nos imerge neste clima único.
A outra cena que me arrebatou completamente foi quando Hazel e Myron se conhecem no armazém. De novo, a forma com que a autora conduz esta cena, começando com a história heróica do pai de Hazel durante a enchente, o magnetismo imediato do encontro do casal, as pinceladas da história do alemão judeu, o aparecimento do policial e toda podridão atreladas a ele e a nojenta lei segregacionista da época, a bravura de Hazel, o zelo de Myron e o ato heroico de Stanley. Não me restam dúvidas, é assim que se conta uma história.
Menphis surpreende. O livro de Stringfellow é como aquela flor que insiste em brotar na rachadura da calçada - uma beleza petulante que desafia seu meio sujo, frio e hostil. Tem que ler.