Diego
10/06/2024Um ponto de vista guarani sobre a monogamiaA autora apresenta pontos de vista sobre a monogamia que eu nunca havia sido apresentado antes.
Primeiramente, realiza uma discussão sobre o significado do termo. Embora a palavra seja usada com significados diversos, o seu significado mais antigo diz respeito a um casamento apenas ao longo da vida, algo consagrado pelo bordão "até que a morte os separe". Era esse significado usado pelos jesuítas quando chegaram ao continente americano e se chocaram com os hábitos amorosos indígenas. Os guaranis tinham relações de "um pra um", mas não eram considerados monogâmicos, pois essa relação não necessariamente durava a vida toda e acabava quando um dos parceiros não quisesse mais. Segundo ela traz, Anchieta destacou que não haviam violências decorrentes do ciúme masculino, algo frequente na sociedade europeia.
A "pauta de moral e de costumes" afligia mais aos jesuítas do que a escravidão e o homicídio. Por isso, o processo de catequese envolveu inculcar na cabeça dos indígenas a monogamia, incluindo aí a noção de que a nudez tinha um cunho sexual e deveria ser exclusividade entre os cônjuges.
A autora também discute o significado e as implicações da monogamia e de outras formas de amar. Na cosmogonia europeia a relação amorosa entre dois parceiros é centralizada na exclusividade do ato sexual e isso se desdobra em vários aspectos da relação, tornando outras relações secundárias Cria-se a partir disso o amor romântico, que pode ser sintetizado na metáfora de que cada panela tem sua tampa. Logo, amor verdadeiro é aquele no qual as pessoas possuem os mesmos interesses, fazem as mesmas coisas, etc. Assim, uma amizade é bem vinda, desde que não seja vista como um empecilho ao romance do casal. Cria-se uma dicotomia entre a vida de solteiro e a vida de casado e essa relação gera uma série de obrigações, principalmente para as mulheres, que gastam boa parte do seu dia realizando ações para cuidar da casa, etc. E essa cosmogonia cristã se pretende exclusiva, por isso outras formas de família e de afeto são vetadas em lei. O divórcio só passou a valer no Brasil há poucas décadas. Se a pessoas tiver duas relações estáveis e falecer, só um dos parceiros será reconhecido, pois, para os efeitos da lei, a pessoa só pode estar em uma relação por vez.
Em outras cosmogonias as coisas podem ser diferentes. Não necessariamente a relação amorosa precisa ser exclusivamente sexual. Cada pessoa tem liberdade para escolher e configurar seus relacionamentos como melhor lhe servir. Por isso, ao invés de uma monocultura amorosa, há uma "artesania relacional". As relações vão sendo construídas de formas singulares. Duas pessoas podem se amar sem que isso gere obrigações de exclusividade. E, por não haver a centralidade na sexualidade, uma pessoa pode estar em um relacionamento amoroso com a terra, com o rio, com as plantas.
Além disso, há outra forma de parentalidades que levam a outras maneiras de compartilhamento dos trabalhos.
Em uma concepção dos colonizadores, a não monogamia tem sido (re)descoberta recentemente, porém, muitas vezes a ênfase é colocada no número de parceiros, mas o pensamento monogâmico é transportado para essas outras relações, por isso algumas pessoas dizem que dá muito trabalho se relacionar com mais de uma pessoa, pois percebem que ao se relacionarem com duas ou mais pessoas, terão diversas obrigações com todas elas.
Em outras cosmogonias, nas quais a relação amorosa não possui uma carga romântica ou de obrigação da exclusividade sexual, e nas quais há outras formas de parentalidades e de relações amorosas, que ajudam a distribuir o trabalho e que compartilham as obrigações nos cuidados com as crianças, as relações amorosas não implicam em mais trabalho.
Por fim, a autora apresenta como a perspectiva decolonial pode aportar em diversas discussões, principalmente para grupos que são marginalizados. Mulheres não-brancas, cis ou não, costumam absorver boa parte do trabalho doméstico e a monogamia resulta em uma carga de trabalho extra. Pessoas neurotípicas são vistas desde um estereótipo que lhes colocam em extremos, ou como pessoas manipuladoras, ou como ingênuas e incapazes, etc. A discussão decolonial da não monogamia e de outras formas de construir afetos, se conjuga com várias outras discussões igualmente importantes.