spoiler visualizarLeh 14/10/2022
Que coragem!!!
"- Você criou uma situação para nós em que apenas um vai poder sair vivo - eu disse, subitamente.
O sequestrador me olhou, surpreso. Não me calei:
- Sou grata por você não ter me matado e por ter cuidado de mim.
Foi muita gentileza sua. Mas não pode me forçar a ficar com você.
Sou uma pessoa com necessidades próprias. Essa situação tem que acabar.
Em resposta, Wolfgang Priklopil tirou o pincel de minha mão sem dizer uma palavra. Vi em seu rosto que ele estava bastante assustado. Por todos aqueles anos, ele temera esse momento. O
momento em que teria certeza de que sua opressão não dera frutos, de que não fora capaz de me dobrar. E continuei:
- É natural que eu vá embora. Você deveria ter imaginado isso desde o começo. Um de nós tem que morrer, não há outra saída. Ou você me mata ou me deixa ir embora.
Priklopil balançou a cabeça devagar.
- Você sabe que nunca farei isso - disse baixinho.
Esperei que a dor explodisse em alguma parte de meu corpo e me preparei mentalmente para isso.
Não desista. Não desista. Não vou desistir de mim.
Mas nada aconteceu, ele apenas continuou parado diante de mim. Então respirei fundo e disse coisas que mudaram tudo:
- Já tentei me matar tantas vezes... E aqui estou: a vítima sou eu.
Seria bem melhor se você se matasse. Você não vai encontrar outra saída. Se você se matasse, todos os problemas acabariam na mesma hora.
Naquele momento, alguma coisa dentro dele pareceu morrer. Vi o desespero em seus olhos quando ele se afastou e mal pude aguentar. Aquele homem era um criminoso - mas era a única pessoa que eu tinha no mundo. Vi cenas específicas do passado diante de meus olhos, como se eu as rebobinasse. Hesitei e me ouvi dizer:
- Não se preocupe. Se eu fugir, me jogo na frente de um trem.
Nunca colocaria sua vida em perigo.
O suicídio parecia um tipo de liberdade suprema, uma libertação de tudo, de uma vida que já fora há muito arruinada.
Naquele momento, eu quis não ter dito essas coisas. Mas agora já havia dito: eu fugiria na próxima oportunidade. E um de nós não sobreviveria."
"Então tudo aconteceu muito rápido. Com uma força sobre-humana, me livrei da areia movediça paralisante que envolvia minhas pernas. A voz do meu outro eu falava em minha mente: Se você tivesse sido sequestrada hoje, estaria correndo agora. Você tem que agir como se não conhecesse o sequestrador. Ele é um estranho. Corra! Corra!"
"Eu dera o salto e finalmente chegara ao outro lado. E estava pronta para lutar pela liberdade recém-descoberta."
"sempre fizera parte dos meus planos, aos 18 anos, me tornar independente das pessoas que haviam me sustentado até ali. Agora eu queria que isso fosse real; queria andar com meus próprios pés e finalmente tomar conta de minha vida. Eu tinha a sensação de que precisava descobrir o mundo. Eu era livre e tinha o direito de fazer o que quisesse, qualquer coisa: tomar um sorvete em uma tarde de verão, dançar, retomar a escola. Eu andava em um mundo grande, colorido e barulhento, que me intimidava e me deixava eufórica, e absorvia aquilo tudo avidamente, nos mínimos detalhes. Havia muitas coisas que eu não compreendia, depois de ficar isolada por tanto tempo."
"Meu cativeiro é algo com que vou ter de lidar durante toda a minha vida, mas, aos poucos, acredito que não serei mais dominada por ele. Ele é parte de mim, mas não é tudo. Existem muitos outros lados da vida que eu gostaria de experimentar. Ao escrever este relato, tentei encerrar o capítulo mais longo e sombrio de minha vida. Sinto-me aliviada, porque pude encontrar palavras para o que considero indescritível e contraditório. Rever tudo em minha mente, em branco e preto, me ajuda a olhar para o futuro com confiança. O
que vivi me dá força - sobrevivi ao cativeiro no porão, fugi e permaneci de pé. Sei que posso viver minha vida em liberdade também. E essa liberdade começa agora, quatro anos depois do dia 23 de agosto de 2006. Somente agora, nestas páginas, posso deixar o passado para trás e dizer verdadeiramente: Estou livre."