spoiler visualizarPaola66 23/02/2020
Não é uma resenha, apenas meus trechos favoritos do livro...
"(...) há histórias que não podem começar pelo princípio, e talvez esta seja uma delas."
"Ao ver o próprio rosto refletido no vidro da porta, deixou escapar um suspiro melancólico. Aquele semblante macilento era seu? Parecia o rosto de alguém cuja vida foi se esvaindo discretamente, como lã escapando pelo buraco de um travesseiro, o que de certo modo era verdade."
"O último ato da desastrosa peça de sua vida estava para começar, e ele precisava ficar atento para não perder nenhum detalhe."
"(...) às vezes achava aquelas memórias até mais bonitas que os fatos verdadeiros. Que estranha alquimia fazia essas cópias parecerem mais extraordinárias que o original? A resposta era óbvia: a passagem do tempo, que transformava o borbulhar do presente em um quadro terminado e inalterável chamado passado, uma tela que o homem sempre pinta às cegas, com pinceladas erráticas que só adquirem sentido ao afastar-se dela o suficiente para admirá-la em seu conjunto."
"(...) não há nada impossível de expressar com um olhar. Um olhar é como um poço sem fundo em que tudo cabe."
"(...) o que mais me surpreende é que os assassinatos e roubos seja tão poucos, tendo em vista a impunidade com que podem ser cometidos."
"(...) pela primeira vez Andrew tomava consciência que a vida, a verdadeira vida, não tinha nada a ver com a maneira como cada qual preenche seus dias, com os lábios que beija, as medalhas que lhe conferem ou os sapatos que remenda. A vida, a verdadeira vida, acontecia calada em nosso interior, fluía como um rio subterrâneo, transcorria como um milagre sigiloso do qual apenas os cirurgiões e os legistas eram testemunhas, e talvez também aquele assassino desumano, porque só eles sabiam que, em última instância, a Rainha Vitória e o mendigo mais miserável de Londres eram iguais: um complicado mecanismo de ossos, órgãos e tecidos (...)"
"(...) o mundo continuou seu curso, sabe? O tempo também passa quando você não olha para ele."
"(...) [é ] ridículo o esforço vão do homem de capturar o que não pode ser capturado, essa força absoluta, misteriosa e indomável que é o tempo."
"Não acham fascinante? Por trás de cada invenção pulsa o esforço de um homem, uma vida dedicada à solução de um problema, a conceber um artefato que sobreviverá a ele, que vai fazer parte de um mundo que continuará sem ele."
"(...)ficou profundamente comovido com a doçura daquela criatura que, apesar das agressões e vexames que havia sofrido, não parecia guardar qualquer rancor contra a humanidade, a mesma humanidade sem rosto que ele próprio odiava com tanta facilidade, inevitavelmente, quase como um ato reflexo, toda vez que não conseguia uma carruagem ou ficava sem camarote no teatro."
"Talvez seja melhor eu me resignar a não esperar grandes coisas de um mundo como o nosso, no qual as pessoas temem tudo o que é diferente. Às vezes penso que se um anjo aparecesse na frente de um padre, este não hesitaria em dar-lhe um tiro."
"(...) nunca se perde tempo tentando conquistar um sonho, (...) a única coisa que conta é a nossa vontade."
"(...) já se perguntaram o que torna os homens responsáveis? Seu lhes direi: o fato de terem uma única oportunidade de fazer cada coisa. Se existissem máquinas que nos permitissem corrigir até nossos erros mais estúpidos, viveríamos em um mundo cheio de irresponsáveis."
"(...) tudo aquilo tinha acontecido realmente, e o fato de não poder ver seus efeitos não significava que não tivesse ocorrido (...)"
"Talvez os sons que nos assustam à noite, aqueles rangidos que atribuímos aos móveis, sejam apenas os passos de algum eu futuro que vela nossos sonhos sem se atrever a interrompê-los."
"O fato de saber que tinha a vida que queria em outro mundo o eximia de tentar conquistá-la neste?"
"Sentia vertigens só de imaginar que nas encruzilhadas que encontrava em seu caminho nasciam ninhadas de outros Andrews cujas vidas transcorriam em paralelo, para além de onde sua vida terminava, sem que ele pudesse ver coisa alguma porque no fundo são os modestos sentidos do homem que estabelecem os limites do mundo. Mas, e se o mundo, como a caixa de um mágico, tivesse um fundo falso, e se realmente continuasse além de onde seus sentidos lhe diziam que acabava? Era o mesmo que perguntar se as rosas continuavam mantendo suas cores quando ninguém as estava vendo. Ele estaria bem, ou por acaso estava delirando?"
"Abraçaria a vida, sim, e a abraçaria como um presente inesperado, e se esforçaria para vivê-la da melhor forma que pudesse, como fazia todo mundo, como fazia Charles. Transformaria a vida em uma aprazível e longa tarde de domingo à espera do crepúsculo. Não devia ser muito difícil, podia ser até que aprendesse a desfrutar o simples milagre de estar vivo."
"Às vezes ela se perguntava se realmente fazia todos os esforços para superar o mal-estar que a corroía ou se, pelo contrário, não fazia nada além de entregar-se a ele com um deleite mórbido."
"Vamos viajar para o futuro, para um mundo dominado pelos autômatos. Talvez o senhor o ignore quando retornar de seu passeio turístico, pensando que não é da sua conta, mas esse será o mundo em que nossos netos viverão."
"- Não é necessário combater esta guerra, bastaria impedi-la. (...) Por acaso o futuro não é sempre consequência do passado? (...) Está em nossas mãos impedir o que vai acontecer, mudar o futuro. No fundo, essa guerra que terminará arrasando Londres é responsabilidade nossa. Mas temo que, ainda que o homem se desse conta, isso não seria razão grave o suficiente para deixar de fabricar autômatos. [...] O destino é o destino... - repetiu ironicamente Charles. - Mas pensam isso de fato? Preferem mesmo delegar a responsabilidade de seus atos ao suposto autor do libreto que nos vemos obrigados a representar desde nosso nascimento? Eu não. Mais que isso, acredito firmemente que nosso destino não está escrito. Somos nós mesmos que o escrevemos, dia a dia, com cada um de nossos atos. Poderíamos evitar essa guerra futura se realmente o desejássemos. Mas imagino, senhor Ferguson, que sua fábrica de brinquedos teria enormes prejuízos se deixasse de fabricar artefatos mecânicos."
"(...) [o ser humano,] esse animal que sonhava, que ambicionava, que desejava a imortalidade se perguntando ao mesmo tempo a que devia sua presença no mundo."
"(...) A vida lhe ensinara que tinha mais possibilidades de sobreviver sendo o único responsável pela própria segurança. Se só confiasse em si mesmo, nunca poderiam traí-lo."
"(...) de repente descobrira que o pior de morrer era que não teria mais nenhuma oportunidade de alterar o que aconteceu , que a única coisa que os outros veriam quando ele já não estivesse no mundo seria o horroroso desenho em que sua vida iria se cristalizar."
"(...) a maioria das pessoas morre sem realizar seus sonhos. (...) Imagino que foi por isso que me refugiei na leitura, para fugir daquela existência monótona e previsível que se desdobrava diante de mim. Todos chegam à leitura por algum motivo, não acha? (...) Mas confesso que não era um leitor muito exigente. Qualquer livro que falasse de uma vida que não fosse a minha me parecia, no mínimo, interessante."
"Mas existia tal coisa? O tempo terminaria em algum ponto ou continuaria eternamente? Neste caso, o final devia localizar-se no instante em que o homem se extinguisse e não restasse nenhuma outra espécie no planeta, pois o que era o tempo sem ninguém para medi-lo, sem nada que acusasse sua passagem? O tempo só se revelava nas folhas secas, nas feridas que cicatrizavam, no caruncho que devorava, na ferrugem que se espalhava, nos corações que se cansavam. Se não houvesse ninguém para marcá-lo, o tempo não era nada, absolutamente nada."