C4nteiros 01/08/2023
Às vezes, ser Deus é solitário.
Não sabia por onde começar essa resenha, pois tenho um apresso muito grande por toda essa trilogia.
Combinei comigo mesmo que só iria terminá-la no natal (na minha cabeça esse livro combina com luzinhas de natal e felicidade). Mas a maratona literária de inverno chegou e como nunca tinha participado, resolvi colocá-lo na lista.
Esse terceiro livro não perdeu a sua potência lírica e histórica dos livros anteriores.
Seus livros tratam do desaparecimento da fé, a substituição por novas religiões e o esquecimento dos deuses antigos.
Arden, termina a saga do mesmo ponto que a começou, ou seja, de forma grandiosa.
Apesar de já ter lido alguns poemas russos, foi meu primeiro contato com a literatura fantasiosa e folclórica do país.
Mas acredito que o livro seja muito mal divulgado. Quando o conheci, o vendiam como "um romance entre uma jovem bruxa e o Senhor do inverno".
Existe de fato esse romance, e é muito bem construído, muito bem desenvolvido, muito romântico e sonhador, mas não é nem de longe o ponto principal dessa história.
O livro nos conta sobre uma fé quase esquecida e que sobreviveu apesar da colonização, dominação e jugo de uma outra religião.
Toda a cultura religiosa e mítica do local tinha sido subjugada e demonizada pelos olhos da igreja católica. E uma garota, que na verdade é uma bruxa, O senhor do inverno, que é um Deus esquecido, um Urso malvado, que é um homem solitário e um cavalo que é um rouxinol, conseguiram construir uma narrativa onde o passado se mantivesse vivo e que a fé nos deuses antigos fossem mantidas.
O livro é de uma lindeza profunda, você sente vontade de marcar cada sabedoria dita pelo Senhor do inverno, toda a contestação posta pelo Urso, todos os conselhos dado pelo rouxinol, e toda a esperança mantida no coração da garota.
Tem um ensinamento em cada página, a sensação que tive ao ler todos os livros era como se uma velha senhora estivesse me contando os segredos do universo, segredos esses que não são para todos os ouvidos
A mocinha do livro não é tão mocinha como a literatura nos acostumou, ela é expansiva, bélica, reativa e fervorosa. O mocinho também não é tão mocinho, ele tem seus princípios como o Deus da morte e das transformações, e apesar de ama-la como só um Deus é capaz de amar uma humana, ele não os abandona para viver um romance épico.
E aí está a graça do romance deles dois. Os dois têm princípios inabaláveis, cada um lutando para que o seu lado consiga sobreviver nessa guerra religiosa, e encontrar um ponto em comum em que eles possam viver juntos apesar de tudo, foi desenvolvido nós três livros de uma forma muito feliz e triste ao mesmo tempo.
Gosto do fato também que autora não criou uma personagem esteticamente padronizada, pelo contrário, apesar da Rússia naquele período ter uma ideia de beleza diferente da atual, ainda assim a personagem não se enquadrava no padrão da época, chegava a ser cômico a forma que todo mundo dizia como ela era feia e que não compreendiam como o Senhor do Inverno e os homens conseguiam achá-la bonita, e logo depois a autora criava uma contradição mostrando que a beleza da personagem era para além da aparência, ela era bela por sua fé, bela de uma forma que ninguém conseguia explicar. Apenas bela.
Enfim, o livro traz narrativas políticas, sociais e religiosas muito bem construídas. O mundo fantasioso é muito bem amarrado não há furos, foi criado através do folclore e mitos populares do local, por isso a veracidade que sua escrita apresenta.
A trilogia foi finalizada de forma belíssima, não há necessidade de novos livros e espero que a autora entenda isso e não invente mais nada.
Vai ficar guardada no meu coração assim como Tolkien, Cornélia Funke e TJ Klune.