lgcorporativo 04/02/2023
Ao ler “A Débil Mental”, tive a sensação de enxergar alguém num quarto à meia luz, fumando, bebendo uísque e escrevendo compulsivamente. Uma pessoa solitária, porém em êxtase, jorrando pensamentos e sentimentos, impulsionada pelo ritmo do barulho de teclas mecânicas. Não me refiro à escritora, mas a um alter ego que assume a escrita deste brutal romance.
🗣️ O mundo é uma caverna, um coração de pedra que esmaga, uma vertigem plana. O mundo é uma lua cortada a chibatadas negras, flechadas e tiros de escopeta.
Quem se propõe a ler um segundo livro da escritora argentina Ariana Harwicz já vai de espírito armado. Seu texto é ácido, erótico, sarcástico e desafia convenções sociais. Seus petardos assustam, chocam e emparedam quem lê.
“A Débil Mental” é uma leitura de digestão difícil. Impossível passar ileso. Os relatos de suas personagens podem provocar asco, repulsa e acionar gatilhos. Há trechos bastante sensíveis e escatológicos.
Mãe e filha conversam, em primeira pessoa, fazem confidências e compartilham momentos íntimos. O erotismo é uma fragrância pesada no ar.
Há inquietação, alucinações, psicodelia e frenesi nos diálogos. A estrutura do texto, fragmentado, endossa essa sensação: as vozes das personagens não possuem delimitações tradicionais e se misturam com as da narradora (a filha), que vive um relacionamento clandestino e tóxico.
As personagens despidos de pureza, pudores, filtros. São matéria, carne, orgânicas. A degradação psicológica se revela nas descrições. Há um processo de desumanização em curso.
🗣️ Meu cérebro são mariposas em um jarro e se enforcam.
🗣️ Estou totalmente desacostumada à sociedade, tempo demais passando a manhã feito uma cabra velha, os dentes fedendo, o corpo rançoso, a pele cheirando a cebola frita, a bactérias, a nódulos mal curados.
🗣️ Desejo degenerado. Desejo nocivo. Desejo lunático.
🗣️ Coberta com meus próprios dejetos, tive a agradável sensação de que aqueles trajes me caíam maravilhosamente bem.
🗣️ Posso me declarar a favor do fascismo, da pena de morte, de queimar caravanas de ciganos. Não controlo meus esfíncteres, não agradeço nem cumprimento.
🗣️ Tenho essa loucura, mamãe, de me arrancar os olhos e o coração quando o desejo me faz perder a cabeça e a consciência.
Ao fim, fica para o leitor o questionamento: que mensagem quis a autora passar diante de uma narrativa tão violenta e destrutiva?