Jess.Carmo 07/05/2023
Reconhecer o inumano através da barata
Acho que todo bom literato tem uma concepção filosófica que influencia a sua obra. A autora está às voltas da questão do ser. G.H é uma mulher de classe média alta que está sozinha. Foi abandonada pelo seu grande amor, abortou o que poderia ter vindo a ser seu filho e, por último, demitiu sua empregada doméstica, a única que ainda lhe fazia companhia. É a partir desse último rompimento que a história se desenrola.
Ela está sozinha em sua casa e decide desbravar o cômodo da casa onde a empregada dormia. Ela imaginava que o cômodo estaria imundo, o que nos faz perceber todos os estigmas que uma mulher de classe média alta tem daqueles que as servem. Quando entra no quarto tem a surpresa de encontrar tudo arrumado, mas não da forma que ela gostaria. Decide organizar as coisas da sua maneira, quando se depara com uma barata. Deste ponto, o texto passa a ser uma grande batalha da personagem com essa curiosa barata. É no encontro com esse bichinho nojento e particularmente aterrorizante para G.H. que ela vai se questionar sobre sua vida e sobre a humanidade.
Eu particularmente achei a forma da obra exaustante. Não há muitas conexões entre as narrativas, o que torna a leitura cansativa e confusa. Acredito que essa característica foi o que deu valor à obra da autora, mas eu particularmente não gosto. Me soa até um pouco juvenil.
Enfim, ela faz uma aposta na figura do inumano, naquilo que não queremos ver ou que foi postulado como o proibido. A barata representa justamente isso. A barata é o imundo que preferimos não lidar. G.H., em busca da sua inumanidade, decide enfrentara barata. A barata que faz parte de Deus, assim como G.H.. A barata que mostra que o mundo não é humano, assim como também não somos.
Também há uma breve reflexão acerca da verdade. Apesar da verdade ser o que é, sempre imutável, G.H. jamais poderá compreendê-la. Ela jamais poderá compreender a verdade porque a verdade não diz respeito a ela como indivíduo e particularidade. "Se a 'verdade' fosse aquilo que posso entender, terminaria sendo apenas uma verdade pequena, do meu tamanho". Apenas o homem do futuro, que já não é mais tão humano como somos, poderia de fato compreender a verdade. Também não podemos compreender a verdade porque, segundo a reflexão da personagem, meu acesso a verdade só existe pelo esforço humano que é a linguagem. A linguagem sempre fracassa nessa empreitada. O que nos sobra desse processo é o que não podemos dizer sobre a verdade. "Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu".
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