Danielle.Brito 24/05/2020
“A Paixão segundo G.H.” é um livro de autoria de Clarice Lispector (1920-1977), autora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira. Hesitei por bastante tempo em ler algo de Clarice por considerar o estilo da escrita dela complexo, desde quando li “A Mulher que Matou os Peixes” ainda criança. Como abracei um desafio literário em 2020, me determinei a ler algo da autora, devido este ano ser comemorado o centenário de seu nascimento, sua importância para a literatura nacional e porque fevereiro é o mês do desafio dedicado a obras de autoras mulheres.
A história de “A Paixão segundo G.H.” gira em torno de uma mulher de classe alta, nomeada na obra apenas por suas iniciais “G.H.”, moradora de uma cobertura no Rio de Janeiro, que em uma manhã se vê sozinha, pois por algum motivo não mencionado no livro, demitiu a empregada doméstica. Ela então decide arrumar o quarto de empregada, imaginando que o ambiente esteja sujo e desorganizado. Para sua surpresa, o quarto está limpo e bem arrumado.
Ela verifica o ambiente e encontra dentro do armário uma barata, a qual, diante do susto inicial, acidentalmente esmaga contra a porta do móvel. A partir deste momento a personagem entra em uma epifania, na qual se utiliza de metáforas para problematizar diversos “paradoxos dicotômicos”, como por exemplo: certo e errado; bem e mal; paraíso e inferno; crime e punição; Deus e o Diabo; entre outros.
Ela traça um monólogo diante da barata morta, que se estende pelas 180 páginas da obra. Durante o monólogo, ela faz reflexões que começam com um reexame do sistema de classes (contradições entre a realidade dela e da empregada, do lugar onde ela mora e das favelas que permeiam seu prédio) e passam pela humanização que ela faz da barata (e pela “baratização” que faz de si), permeando a narrativa com questões filosóficas, conflitos pessoais, barreiras e choques sociais.
Em determinado momento da narrativa, G.H. decide comer a barata morta! Este ato extremo da personagem foi para mim uma espécie de expiação, no qual ela sai de sua bolha social para se unir a um ser que ela considerava inferior a ela. Por meio da barata Clarice representa tudo o que causava estranhamento e repugnância em G.H.
Penso que esta e outras obras de Clarice Lispector permitam diferentes interpretações por diferentes leitores e esse é o grande fascínio de sua escrita. É uma experiência pessoal e individual.
Antes de iniciar a leitura, somos advertidos pela autora em uma mensagem “a possíveis leitores”, na qual ela diz: “Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar. Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma alegria difícil; mas chama-se alegria".