AmadosLivros 16/08/2017
"Contudo, por mais que apreciemos as histórias da infância, também as superamos, as abandonamos e as rejeitamos como coisas pueris, esquecendo seu poder não só de construir o mundo infantil da imaginação, como de edificar o mundo adulto da realidade. Os contos de fadas, segundo o ilustrador britânico Arthur Rackham, tornaram-se 'parte de nosso pensamento e expressão cotidianos, e nos ajudam a moldar nossas vidas'."
Encontrei essa edição de Clássicos da Editora Zahar no Kindle Unlimited e sem nem pensar duas vezes baixei. Adoraria adquirir a versão capa dura e assim que po$$ível, farei. Enquanto isso, me contentei com o ebook e não me arrependi.
Sempre que ouvimos falar em "contos de fadas", só pensamos nas histórias contadas por nossos pais ou avós em nossa infância, ao nos colocar para dormir. Nisso, ou nas animações da Disney. Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, Rapunzel, A Pequena Sereia, O Patinho Feio, O Gato de Botas, e por aí vai. Mas muito se engana quem pensa que esse livro da Zahar é para crianças. Cá comigo, depois de adulto, você nunca pensou no quanto O Gato de Botas era inteligente, mas malandro e trambiqueiro, e mesmo assim se deu bem? Ou como O Patinho Feio trata sobre bullying - e naquela época nem se pensava nessa palavra? E Chapeuzinho Vermelho, que se deu mal por desobedecer ao conselho mais clássico de todos os pais: não falar com estranhos?
São basicamente as respostas para algumas dessas dúvidas que você irá encontrar nesse livro. Maria Tatar teceu comentários sobre cada conto, ao iniciá-los, onde destrincha suas origens, interpretações e significados. Durante os contos, notas de rodapé traz informações relevantes sobre algum trecho do conto, uma interpretação sobre o que aquela frase ou história queria passar de moral e ensinamento para quem o ouvia na época em que foi escrito - alguns ensinamentos podem tranquilamente perdurar até hoje, como é o caso de Chapeuzinho Vermelho. Outros, eu considero apenas para conhecer a cultura daquela época, como é o caso de Barba Azul, que via como "natural" assassinar suas esposas desobedientes - mesmo que no final ele tenha sido finalmente castigado, apenas por ter mexido com uma família específica, e não pelos crimes anteriores.
"Enraizado, como se viu, numa cultura em que casamentos arranjados eram norma, o conto de Madame de Beaumont (A Bela e a Fera) sanciona, para as mulheres, a obediência, a abnegação e uma forma de amor baseada na gratidão e não na paixão, ao mesmo tempo em que nos dá uma Fera que aprecia claramente a perfeição física somada à delicadeza e à compaixão. À medida que lemos a história, porém, podemos ver esses valores contestados de várias maneiras. (...) Por que a Bela é fisicamente perfeita, enquanto a Fera pode continuar sendo um cônjuge perfeito apesar de sua aparência? Por que a história termina subvertendo seus próprios termos, ao transformar os dois cônjuges em imagens da perfeição física." posição 784/785 - e nisso eu só me lembro de Shrek e a quebra de padrões ao transformar a princesa numa ogra para viver feliz para sempre com seu amado ogro.
Provavelmente alguns contos você nunca ouviu falar. Eu já conhecia a maioria deles, até os mais estranhos, porque quando criança encontrei um livrinho de contos de fadas da minha tia, bem velho e amarelado, onde apareciam vários contos desses, a maioria dos irmãos Grimm - se perdeu pela casa, infelizmente. Sou louca para reencontrá-lo, relia várias vezes quando criança. Mas voltando ao que interessa, o interessante nessa edição são as análises desses contos, além de encontrar a versão mais próxima do original deles, aquelas partes pesadas que a Disney nunca colocou e nem vai colocar, óbvio, em seus filmes. Outra coisa interessante é que até uma relação entre os contos e a vida do seu autor é possível encontrar.
Conforme avançamos, notamos que muitos contos são parecidos, mudando apenas de personagem principal. Como esses contos eram passados via oral e chegavam a vários povos diferentes, muitos eram adaptados para as culturas locais de cada país onde eram contados, então alguns se tornam repetitivos. O que não exclui sua importância.
O livro ainda traz algumas pinturas e ilustrações ao final de cada conto. As ilustrações são feitas por artistas que viveram no começo do século XIX e até anteriormente, acrescentando a visão daquela época aos contos. Não sei na edição física, mas imagino que deva ser tão maravilhosa quanto o ebook. Depois que passa todos os contos, traz também uma biografia dos autores dos contos, como os Irmãos Grimm, Charles Perrault, Hans Christian Andersen; e dos ilustradores, como Arthur Rackham, Gustave Doré e Walter Crane.
Se você gosta de contos de fadas, assim como eu, irá se apaixonar por esse livro. Ele ainda tem um apêndice com outras versões de alguns contos. Você sabia que antes da menina Cachinhos Dourados, quem entrava na casa dos três ursos era uma velha? Se não sabia, vai poder conhecer essa outra versão da história, além de se deliciar, relembrar sua infância, se espantar com algumas coisas, ou simplesmente tomar conhecimento de outros contos que você nunca ouviu falar. Boa leitura!
"Minha história terminou. Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra."
site: http://amadoslivros.blogspot.com.br/2017/03/livro-contos-de-fadas.html