nilton rocha 18/04/2016
Um Estranho na Estante
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Por muitos anos, Um Estranho no Espelho permaneceu na minha biblioteca sem que eu o lesse. Ganhei de um amigo muito querido, que, de tão decepcionado com a obra, nem quis ficar com ele. Seria um presente de grego, não fosse a possibilidade, remotíssima na opinião dele, de que eu me aventurasse a lê-lo. Confesso que tamanha repulsa fez com que eu o considerasse indigno de ser lido, pelo menos naquele momento. Então, guardei-o na minha estante e por lá ele foi ficando, largado, esquecido e ignorado, mas protegido por seus vizinhos de prateleira, até que, frustrado por ter abandonado um livro pela metade, por cuja leitura eu vinha me arrastando, eu o libertei do cativeiro. Afinal, pensei, Sydney Sheldon, autor de tantos best-sellers e criador de algumas séries de televisão tão bem sucedidas, certamente não produziria algo tão ruim quanto meu amigo me fez crer.
O início logo me agradou, porque começa falando de acontecimentos "bizarros e inexplicáveis" ocorridos no dia em que haveria um casamento num transatlântico. Logo em seguida, a narrativa faz um flash back para chegar a duas histórias paralelas, a de Tobby e a de Jill Castle. Porém, à medida em que as páginas iam avançando, a superficialidade dos vários personagens me incomodou um pouco e meu interesse diminuiu. Enquanto a trajetória de Jill Castle convence pelo realismo, ao mostrar prováveis humilhações pelas quais eventuais aspirantes a atriz destituídas de talento possam passar, como se prostituir em troca de papeis insignificantes, a de Tobby, ao contrário, é inverossímil, principalmente depois que ele alcança o estrelato. Fica difícil entender como ele se torna um cômico tão ovacionado, admirado e reverenciado quando faltam elementos necessários que deem sustentação a essas informações. O mesmo ocorre com as situações por quais ele passa. Convites para shows, viagens, reconhecimento do público e das autoridades, inclusive do presidente do país, simplesmente vão acontecendo. São narradas de modo impreciso, sem muita explanação.
Desalentado, quase abandonei a leitura, que seria a segunda consecutiva. No entanto, preso àquele gancho do início, os acontecimentos misteriosos, prossegui com mais otimismo, e logo minha frustração e desânimo desapareceram. A partir do momento em que Tobby e Jill se encontram é que se percebe toda a reconhecida e indiscutível maestria de Sydney Sheldon na elaboração de suas tramas. Vários contratempos e adversidades tornam o relato mais emocionante e o autor consegue manter esse ritmo até o final, que, aliás,é surpreendente, cinematográfico e inesquecível.
Bem, daqui pra frente, acho bom tomar cuidado com as considerações pessoais dos amigos, por mais íntimos que sejam. Às vezes, devido à afinidade, há o risco de assimilar ingenuamente seus julgamentos e aceitar suas opiniões como se minhas. Penso também que seja aconselhável eu pegar de volta aquele livro que deixei pela metade. Quem sabe eu não estava a dois passos do Paraíso? Um Estranho no Espelho, de quase rejeitado, passou a representar um forte e provável candidato a releitura.