Procyon 17/11/2022
O Velho e o Mar ? Resenha
?É uma estupidez não ter esperança.? (p. 87)
A obra ?O Velho e o Mar?, de Ernest Hemingway, é uma das mais importantes do autor e também da literatura mundial. Publicada em 1952, a novela centra-se na vida de Santiago, um pescador cubano que está há meses sem conseguir pescar algum peixe. Diante da maré de azar, o pescador é incentivado por um jovem companheiro a continuar tentando. Em sua pequena canoa, o velho pesca um descomunal peixe Marlim de quase 700 quilos. Após horas de luta, ele consegue atracar a pesca em seu barco e parte para a costa. Ao chegar, no entanto, nota que o peixe fora devorado pelos tubarões no trajeto, sobrando apenas sua carcaça.
Foi a última grande obra de Hemingway a ser publicada em vida, sendo uma das suas obras mais famosas. Desandado pela crítica e pelo público devido ao seu último livro, Hemingway diria em um bilhete, em setembro de 1952: ?Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda.? o ?canto de cisne? do escritor lhe rendeu o gracejo do Prêmio Pulitzer (1953) e o Nobel de Literatura (1954).
?[?] Às vezes, a verdadeira vitória não se pode mostrar, nem a verdadeira coragem é tão visível ou evidente quanto se pensa.? (p. 10)
O enredo tenso carrega uma simplicidade que me faz lembrar a John Steinbeck, inclusive no que concerne à construção das personagens. A história é simples e direta ao mesmo tempo em que é dotada de profunda carga existencial, na medida em que alegoriza a vida humana e, evidentemente, a própria vida do autor, contraindo relações autobiográficas latentes (por mais que o escritor negasse, sobretudo na carta testamentária remetida ao crítico Bernard Berenson: ?O mar é o mar. O velho é um velho. Todo simbolismo do qual as pessoas falam é besteira.?)
?O mar é generoso e belo. Mas pode tornar-se tão cruel e tão rapidamente, que aves assim, que voam mergulhando no mar e caçando com as suas fracas e tristes vozes, são demasiado frágeis para enfrentá-lo.? (p. 27)
Essa pequena fábula traz uma linguagem jornalística, descritiva, dentro de um estilo ágil, e um texto discreto. A obra de Hemingway é geralmente conferida por romances e novelas aventurescos que apresentam um ?modelo de virilidade?, ambientando guerras, caçadas, touradas, ou ainda pescarias em alto-mar. Crítico do provincianismo e do materialismo estadunidense, Hemingway talvez tenha buscado, em seu auto-exílio em Cuba, a autenticidade e a emoção pela vida, deixando clarividente na obra sua paixão pelo mar e pela prática de pesca.
?Mas o homem não foi feito para a derrota [?] Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado.? (p. 86)
Em O Velho e o Mar, Hemingway presentifica a relação entre o homem e a natureza, numa espécie de triunfo íntimo marcado pela solidão perene, a condição humana, a experiência da derrota e inutilidade da Vitória (como dizia Garcia Marquez). Santiago é um herói anônimo, e o peixe é o doppelgaenger (duplo) do pescador. O abnegado protagonista compreende a própria pequenez.
O pescador nostálgico parece incorporar uma valorização da memória, e em seus monólogos interiores evidenciam-se suas angústias.
?[?] É bom que não tenhamos de tentar matar a lua, o sol ou as estrelas. Já é ruim o bastante viver no mar e ter de matar os nossos verdadeiros irmãos.? (p. 63)
A universalidade e a atualidade são atributos lidos do conflito solitário do pescador contra si próprio, calcando sua luta contra as forças da natureza na reafirmação da profissão de pescador. Há uma sensibilidade humanista no tratamento aos animais, uma vez que o protagonista, em certos momentos do livro, confunde o peixe com a si próprio (chegando também a tratá-lo por um ?irmão?). Nesse sentido é que a perspectiva existencialista é contundentemente incorporada na convivência harmônica entre o homem e a natureza.
?Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis.? (p. 12)
O pescador é um herói porque, apesar da iminente derrota, representa sua autonomia e liberdade como afirmadoras de si próprio, sem precisar negar o outro. Mesmo na derrota, o pescador não perde sua essência; mesmo diante do desamparo, da escassez e da imensidão apequenadora do cosmos dos mares, o pescador sabe que é o único responsável pela própria história. Se tantos mais se ergueriam em clamor de clemência e misericórdia, em atitude de negação, o pescador rema contra a maré, afirmando-se na perene luta contra o destino. Mesmo derrotado, ?repousa tranquilo e sonha com leões?.
?A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é que pode reconhecê-la? Por mim aceitaria um bocado de sorte fosse qual fosse a forma como viesse e pagaria o que me pedissem por ela. Gostaria de poder ver o brilho das luzes. Estou sempre desejando coisas. Mas essa é a que mais desejaria agora.? (p. 95)