Mayara.Neris 17/10/2013“Para cada Joana D’Arc há um Hitler suspenso do outro lado da balança”Factótum, apesar de não ser oficialmente uma continuação, justamente por ter sido lançado originalmente em 1975, antes de Misto-quente (1982), funciona muito bem como uma.
Nele temos um Henry Chinaski – alter ego de Bukowski e protagonista de outros livros do autor – que largou a faculdade de jornalismo e tenta bancar suas intensas bebedeiras, jogos e mulheres com empregos temporários nas mais diversas áreas. E é daí que vem o título do livro: factótum é um “indivíduo que se julga ou se mostra capaz de tudo fazer ou resolver”.
Perambulando pelas ruas de Los Angeles durante a Segunda Guerra Mundial enquanto não consegue ganhar dinheiro com a sua verdadeira paixão, a escrita, Chinaski se vê como só mais um cara num mundo cada vez mais doente. Isso fica explícito quando ele fala sobre seus sentimentos e faz suas observações cínicas e cruas sobre temas que vão desde o “sonho americano” até inofensivas pernas de mulheres.
Numa narrativa bem simples, como já de praxe se tratando de Bukowski, e apressada (mas que em nada atrapalha o entendimento, aliás, dá ainda mais dinamismo a leitura) nos divertimos com a falta de perspectiva do protagonista para logo depois nos chocarmos com a frieza e por vezes crueldade dos episódios da vida de Henry Chinaski.
É na base da sordidez que o velho safado nos conduz pela história do começo ao fim e, apesar da repulsa inicial para aqueles que desconhecem seu estilo, é possível sentir-se confortável e talvez, assim, quem sabe, até se apaixonar pela marginalidade quase palpável.
Numa determinada parte Chinaski diz: “Para cada Joana D’Arc há um Hitler suspenso do outro lado da balança.” e eu me permito parafraseá-lo: para cada herói de guerra enaltecido pela sociedade por matar, há um Henry Chinaski anti-herói e inapto para o serviço militar do outro lado da balança. O que é uma pena.
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