Taís 05/10/2018Não adie!!!Sou uma fã de coletâneas de contos e crônicas, principalmente dos meus autores favoritos, e Stephen King com certeza está entre eles (embora eu não goste de filmes de terror, vai entender). Sempre achei que eles mostram da melhor forma a capacidade do escritor, além de permitir que ele aborde outros temas ou expanda os universos que já criou.
Como qualquer coletânea, algumas obras de agradaram, outras eu posso suportar e há um pequeno número delas que eu vou pular na próxima leitura. Mas, como obra completa, esse livro mostra mais uma vez (e aqui vou ser absurdamente clichê e pouco original) o talento narrativo de Stephen King. Ele têm demonstrado esse talento em toda a sua carreira, que embora tenha mais livros de terror, conta com obras de outros gêneros muito memoráveis como "Conta Comigo" e "Novembro de 63", e em uma coletânea fica mais evidente essa capacidade de abordar diversos temas sem perder a originalidade ou o talento quando, por exemplo, nós temos o conto fantástico "O Atalho da Sra. Todd", seguido da ficção científica (com um tom macabro) "A Excursão" e o policial (ou criminoso?) "A Festa de Casamento".
Algo a ser pensado sobre os personagens apresentados no decorrer dos contos, e dos demais livros do autor, é essa nebulosidade moral que sempre parece cercar alguns deles. Como leitora eu me vejo desprezando algumas atitudes dos "heróis" e admirando o caráter de alguns "vilões". Afinal, um covarde pode ser o personagem principal? Ou um louco? Do ponto de vista de quem estamos vendo essas situações? O que esse final quer dizer? Existem heróis nessa situação? Isso não é errado?
Sobre os personagens ainda, seu desenvolvimento é uma marca nas obras de King, ás vezes nem paramos para pensar em o quão bem nos foi apresentado aquele personagem em um conto, em um parágrafo, em uma linha de diálogo, e ainda assim nós o conhecemos, ou pelo menos seu caráter, ou reconhecemos suas ações como algo próprio dele. Isso é algo que ás vezes passa batido, porque é feito de forma muito natural mas nem por isso é menos impressionante.
Sobre os contos, vou comentar alguns:
O Nevoeiro
Esse é um dos que eu vi primeiro o filme (odeio filmes de terror, principalmente os que tem final triste), então já tinha uma ideia formada. Ainda assim o conto me impressionou, deixando tudo no ar, nenhuma explicação específica, porque não é necessário.
A natureza das pessoas revelada quando são presas juntas, sob pressão constante, é um tema muito abordado mas poucos fazem como Stephen King. É um dos casos em que o "mocinho" não me parece mocinho ou heroico o suficiente para ser chamado assim, suas ações do ponto de vista "moral" podem ser questionadas, e ele escolhe o caminho mais seguro no final, ao invés de tentar a sorte e ir atrás da esposa sem saber o que vai acontecer. Não acho que ele errou e não estou aqui para julgar os personagens, mas certamente não é o que se espera de um herói. O final é beeeeeeeeeeem mais esperançoso que o do filme, apesar de ninguém ser salvo (calcule o final do filme então), o que foi um ponto positivo pra mim.
O Macaco
Como já é de praxe, pouca ou nenhuma explicação sobre origens e motivos do mal. Apenas sabemos que o Mal está presente e sabemos sua forma. Temos outro tema também bem abordado, como em Annabelle, Chuck, Fofão e outros semelhantes, em que um brinquedo, que deveria por natureza ser inofensivo é o instrumento do terror. É compreensível, minha irmã mais nova, por exemplo, tinha uma boneca que, eu JURO, estava possuída. Aqui temos mais uma vez o desenvolvimento dos personagens e seus dramas envolvendo um enredo sobrenatural. São personagens falhos mas que parecem estar fazendo o seu melhor, na medida do possível. Apesar de ter um tom sinistro e sobrenatural eu achei bastante positivo porque mostra também a buscar por melhorar, por tecer relacionamentos melhores.
O Atalho da Sra. Todd
A narração é muito interessante. Ter o personagem contando a história é sempre uma experiência, fica no ar quais informações ele está omitindo, ou mesmo a veracidade do que está sendo dito. A impressão de que estamos dentro da mente dele, chegando às mesmas conclusões, sabendo o que ele está sentindo, sendo transportados para os acontecimentos. Além disso o a fantasia é envolvente, a liberdade que a Sra. Todd experimenta é muito atraente, dá vontade de pegar o carro e trilhar os atalhos que ela encontra. Mas, pode até ser cretinice minha, fico pensando se não pode se tornar um caso de Benjamin Button se o processo não pára nunca.
A Festa de Casamento
Novamente temos aqui a narração de um participante, um tanto relutante, dos acontecimentos. É uma história bem "pé no chão", envolvendo o crime. O narrador não está intimamente ligado aos personagens centrais da trama, mas acaba sendo envolvido e presenciando o ponto de virada da vida deles. É um recurso que eu aprecio, acompanhar o dia ou a vida do narrador enquanto ela se entrelaça, mesmo que brevemente, com as histórias de outros traz a história para mais perto.
Nesse conto tem um dos exemplos de personagem que eu, pessoalmente, achei bem desenvolvido em poucas linhas: é o irmão da noiva (o chefe do seu grupo criminoso, até então), a insegurança dele me atraiu bastante, a ideia de que se trata de um homem orgulhoso e perigoso mas que quer proteger a irmã da chacota. Um amigo me disse que achou que ele sentia mesmo medo é da vergonha dela refletir na capacidade dele, mas eu não posso concordar. Pra mim, ele se sentia impotente ao tentar proteger a irmã do mundo.
O Processador de Palavras dos Deuses
O personagem principal é meio imoral. É uma daquela situações em que o "mocinho" não se comporta como deveria tradicionalmente. Ele tem uma vidinha de merda (pelo menos na visão dele), um filho delinquente, uma mulher relapsa e pouco atraente. Tinha então inveja da vida do irmão que era pouco digno da esposa e do filho. Aqui ele poderia ter se rebelado contra a situação, poderia iniciar uma saga em busca de um relacionamento com o filho ou ainda decidido recomeçar a vida de outra forma. Mas, claro que isso não vai acontecer. Ele ganha um presente e decide resolver tudo da forma mais rápida, então sem qualquer remorso apaga a esposa e o filho, ele chega a refletir que não é morte ou assassinato já que ele apaga os dois da própria existência, mas será que isso é verdade? Afinal, ele LEMBRA da existência dos dois, e LEMBRA que decidiu apagar ambos. Não sei, me pareceu meio maquiavélico.
Sobrevivente
Esse é macabro demais pra mim, provavelmente vou pular na próxima. Não nego a qualidade, apenas não tenho estomago. O que eu achei engraçado é que nos comentários que King faz de cada conto ele revela que esse nasceu de sua reflexão sobre a capacidade de uma pessoa de canibalizar a si mesma, chegou a consultar um médico a respeito da possibilidade física da coisa toda. Aqui vemos um exemplo do que faz de Stephen King... Stephen King.
Entregas Matinais (Leiteiro n°1) e O Carrão: Uma História sobre o jogo da Lavanderia (Leiteiro n°2)
Muito bom!! Caramba, o Milkman é um personagem misterioso e, até o momento, fodástico. No primeiro conto nós seguimos os passos dele com certa descrença e, pelo menos eu, terminamos querendo mais ou pelo menos querendo uma explicação, um diálogo, uma luz. E no segundo vemos a visão de outro personagem sobre ele, o desespero no final só faz aumentar a curiosidade em volta do Milkman. Gostaria muuuuuuuito de ver mais sobre ele, mas tenho medo da magia se dissipar caso eu saiba.
O Caminhão do Tio Otto e A Balada do Projétil Flexível
Ambos me dão a mesma sensação de negação da fantasia. As situações são tão fantásticas que tanto os personagens quanto nós ficamos presos entre a loucura, a alucinação e a verdade. Há sempre a ideia de que todos os outros pensarão que os relatos não passam de fantasias, sempre vai ter uma explicação "racional", mas mesmo essa explicação não cobre todos os acontecimentos e quem está envolvido sabe o que realmente aconteceu.
Realmente vou comentar esses que mais me tocaram, mas todos são excepcionais.
Essa coletânea em específico foi recomendada várias vezes, mas a oportunidade de ler não chegava, ou melhor, sempre tinha uma lista de livros na frente, e quando finalmente coloquei minhas mãos nela me veio aquela velha sensação de: "por que não li isso antes?". É uma sensação recorrente e irritante que me faz pensar se não estou desperdiçando a minha vida com coisas banais, o que por sua vez, me envia numa espiral de reflexões filosóficas de baixa qualidade enquanto como petiscos sem nenhum valor nutricional... mas estou divagando... só quero concluir dizendo que essa leitura não deve ser adiada de maneira nenhuma.