Laura 09/08/2017
Escrito a sangue frio
A obra do escritor e jornalista Truman Capote conta como a família Clutter foi assassinada e como a questão foi resolvida cinco anos depois. O autor não só narra o acontecido mas também disseca cada personagem com tamanha maestria que faz com que sintamos uma espécie de empatia por vários personagens, como o Sr. Clutter, sua filha Nancy e até o assassino Perry Smith.
Muitos trechos do livro tem detalhes que fazem com que nos questionamos quanto a veracidade dos fatos, como o que um personagem pensou no momento determinado. Será que isso realmente aconteceu daquela forma? Por que, pelo menos em relação a família morta, o autor não teve nenhum contato. Mas aí vem a parte da “literatura” no categoria que o próprio capote diz que inaugurou, a literatura jornalística. Essa vertente ajuda a preencher lacunas que transformam uma história verdadeira em um romance eletrizante que prende a atenção do início ao fim.
Em relação ao desenvolvimento dos assassinos, temos uma gigantesca gama de informações, principalmente quanto a Perry Smith. É sabido que o autor manteve contato com ele e com Hickock, o outro assassino. Isso deu uma envergadura muito grande para o autor falar de seus pensamentos, suas opiniões e o que achavam daquilo tudo. Durante a leitura, pude observar minha mudança de posicionamento constante quanto a Perry. Ao mesmo tempo em que revivemos sua infância muito sofrida, sua adolescência sem apoio dos pais e sem alguém para lhe diferenciar o certo e o errado, desenvolvendo uma espécie de empatia pela vida dura que teve, me senti chocada ao perceber que ele executou aquela família sem hesitar e sem se culpar depois. Nunca havia sentido antes que os limites do bom e do mau, do certo e do errado, do mocinho e do vilão eram tão tênues. Por um momento refleti que somos todos assassinos em potencial, que de uma hora pra outra podemos ser surpreendidos pelos outros e até por nós mesmos. Um exemplo é que, ao mesmo tempo em que Perry arruma uma caixa onde o Sr. Clutter deve sentar para não ficar no chão frio, um momento depois ele está cortando sua garganta com uma faca. Logo depois de proteger Nancy para que ela não seja estuprada por seu parceiro Hickock, e até cobrir a menina em sua cama, ele lhe dá dois tiros na cabeça, a sangue frio.
Por fim, existem os limites entre ficção e realidade. Porque a impressão que tive em muitos trechos era de ler um romance, tamanha a dificuldade de acreditar que toda aquela barbárie era real. Capote sofreu diversas denúncias, muitas pessoas que estavam na história falavam que não tinha acontecido daquela forma (o autor não usava gravador, mas sim a própria memória nas entrevistas, pois dizia que as pessoas se intimidavam com aparelhos/anotações e poderiam, além de perder a naturalidade, deixar de dizer coisas importantes), além de outros fatos como a romantização do assassino, que colocava em cheque a justiça do julgamento e as leis do Kansas. No fim do livro, existe um texto de apoio falando sobre isso, e uma parte digna de transcrição é que “é inegável que Capote, com seu ouvido de romancista, ouviu o que seus personagens poderiam ter dito e transcreveu isso mais fielmente do que qualquer jornalista antes ou depois”.