gleicepcouto 13/07/2011A luta pelo poder é real, mesmo na fantasiaPor Gleice Couto
Quando comprei o livro A Guerra dos Tronos, o 1º da série As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, que deu origem à série Game Of Thrones, produzida pela HBO, o borburinho já era grande. Não sem dificuldades, me manti alheia às críticas e spoilers sobre o programa televisivo, pois queria ler o livro primeiro. Não sabia, porém, que ele era um calhamaço de quase 600 páginas em uma letra miudinha. Então, quando o recebi pelo correio, juntamente com outros livros que tinha comprado, admito que o joguei lá pro final da pilha.
Uma pena. Podia estar me deliciando com a história há muito mais tempo.
A Guerra dos Tronos conta, principalmente, a saga da família Stark, cujo patriarca é Lorde Eddard "Ned" Stark, que é também Guardião do Norte, que faz parte dos Sete Reinos de Westeros. Eddard, homem íntegro, leva uma vida correta e tranquila com sua esposa e filhos (um deles bastardo). Sua vida, e de sua família, pra não falar a de todo o Reino, está prestes a mudar quando o Rei Robert Baratheon, amigo de infância de Eddard, o visita em Winterfell com família e corte.
Paralelamente aos acontecimentos referentes aos Stark e Lannister (família da esposa do Rei Robert), no Leste, os irmãos Viserys e Daenerys Targaryen vivem em exílio. Ele é filho, e o único herdeiro homem, sobrevivente do Rei Aerys II, que foi usurpado por Robert Baratheon. Viserys vende sua irmã em casamento para Khal Drogo, senhor de guerra dos nômades dothraki, planejando usar o exército de Drogo para reconquistar o Trono de Ferro de Westeros para a Casa Targaryen.
Em meio a essa disputa pelo poder, George R. R. Martin conseguiu fazer um épico. Ele criou um mundo novo, com base em épocas medievais, mas a seu próprio modo, com toques de realidade e fantasia mesclados na medida exata. Há lobos gigantes, dragões, estações de anos que duram anos. Mas há também traição, covardia, incesto e mistério. Muitos mistérios.
A trama, envolvente do início ao fim, é concisa e dinâmica. Aqui, você não vai encontrar espaço para longas divagações entediantes ou descrições exageradas "da gota do orvalho cintilando em uma folha enquanto em sua queda lenta e gradual atinge o chão já encharcado e arenoso". A narrativa é breve o suficiente para que o leitor possa imaginar bem os locais e sentirmos as ações.
Os capítulos mostram os fatos, sequencialmente, sob a ótica de um personagem, variando entre Eddard Stark, sua esposa Catelyn, seus filhos Sansa, Arya, Bran e Jon Snow (este, filho bastardo de Eddard), Tyrion Lannister (anão, irmão da Rainha Cersei e de Sor Jaime) e Daenerys Targaryen.
Essa divisão foi feliz, já que o autor selecionou o modo de expor determinadas cenas de acordo com o perfil do personagem. O resultado disso foi uma narrativa intimista, mesmo sendo em terceira pessoa, que flui muito bem.
Os personagens são sólidos e complexos, com histórias de background bem desenvolvidas. Eles não podem ser definidos em apenas uma palavra, e mesmo que você pense o contrário, quando menos espera, acontece uma reviravolta e você muda de opinião mais uma vez. Prepare-se para odiar e amar o mesmo personagem diversas vezes em um curto intervalo de páginas. Essa é a grande sacada: vilões e mocinhos se confundem, assim como perdedores e campeões, tornando a história imprevisível e atraente.
E as lágrimas? É difícil escapar delas. Eu não consegui em algumas partes. Ora por raiva, ora por tristeza, ora por risos (Tyrion, o anão, é impagável). Tantas emoções diferentes em um livro só, apenas poderia dar nisso: uma obra-prima da ficção fantástica.
Pouco tenho de negativo a dizer sobre a parte técnica do livro, a maioria é elogios também. A capa é linda (ilustração de Maec Simonetti e adaptação de Osmane Filho) e a revisão de Bel Ribeiro e André Albert é impecável. A Editora Leya está de parabéns pelo capricho da edição, com orelhas grandes, mapas do Norte e Sul dos Sete Reinos e Apêndice com a linhagem das Casas – tudo para o leitor não se perder, até se acostumar com os muitos personagens.
A tradução da obra, porém, deu pano pra manga. Isso porque a editora não optou pela tradução a partir do original em inglês e sim usou uma tradução de Jorge Candeias do português de Portugal, não o consultando para uma adaptação melhor ao português brasileiro. Desta forma, mesmo que Candeias tenha dado conta da difícil tarefa de se traduzir para o português lusitano um livro com tantas expressões peculiares e nomes diferentes, adequar esse texto para o Brasil não deu muito certo. Ao longo do livro, o leitor se depara com algumas estruturas não muito comuns aos brasileiros, mas aos poucos, vai se acostumando – até porque o texto de Martin não é totalmente rebuscado, contém um pouco de linguagem arcaica.
A série será composta por 7 livros - dos quais 5 já foram lançados, mas somente 2 chegaram ao país, este e o segundo, A Fúria Dos Reis. O terceiro, A Tormenta de Espadas, será lançado durante a Bienal do Livro no Rio de Janeiro, em Setembro deste ano.
O autor norte-americano, graduado e mestrado em Jornalismo, iniciou sua carreira escrevendo contos de ficção científica, mas se tornou conhecido quando começou a escrever roteiros para TV, na década de 80. Foi somente, porém, na década seguinte, a de 90, que George R. R. Martin começou a trabalhar nos manuscritos do que seria As Crônicas de Gelo e Fogo.
Recentemente, o escritor foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2011 pela revista Time.