Morgana Gomes 15/01/2021
Quarto - uma história perturbadora
[ATENÇÃO: a resenha apresenta conteúdo sensível]
"Quarto" (Room, no original) de Emma Donoghue foi o livro que mais demorei para terminar de ler e quase abandonei. Mas como não gosto de fazer isso, acabei levando a leitura com a barriga (eu não sei o que é pior). Cheguei a ler a resenha de outras pessoas e vi que a maioria elogiava, mostrando o quanto o livro era "fascinante", "incrível", "lindo"... Porém, não consegui ver por esse ângulo fantástico.
A narrativa é toda feita por Jack, um menino de 5 anos. A mãe dele foi sequestrada aos 19 anos e mantida em cárcere privado durante 7 longos anos. Em nenhum momento fica claro qual o seu nome e por isso ela é sempre chamada de Mãe. Nesse tempo, ela sofre uma série de estupros e acaba engravidando duas vezes. A primeira criança, uma menina, nasceu sem vida e sem nome. Na segunda gravidez, nasce Jack.
O desenrolar da narrativa mostra como era a vida da Mãe e de Jack no Quarto. Até que um dia a Mãe resolve colocar em prática seu plano de fuga e para isso ela precisaria da ajuda do próprio Jack. Na primeira vez, as coisas não saem como planejado. Na segunda, eles conseguem. É aqui que começa uma outra parte da história que mostra a (re)adaptação ao mundo fora do Quarto.
Não é uma história fácil de ler e ela incomoda bastante. Incomoda porque envolve sequestro, cárcere privado, anos e anos de estupros, filhos que nasceram desses estupros. De um lado, uma mulher que vê no seu filho, nascido em cativeiro, a única chance de sobreviver. Ela espera que ele chegue a certa idade para ensiná-lo a como fugir daquelas quatro paredes. Do outro, uma criança que se esconde dentro do guarda-roupas toda vez que o sequestrador aparece para novamente estuprar a Mãe. Uma mulher em depressão que tenta sobreviver pelo instinto, pelo seu filho.
A história é perturbante pelo contexto em que acontece e por ser contada pelo próprio Jack. É uma criança narrando aquilo que ela vê e que ainda não entende o porquê de nada. E tomando base em algumas resenhas e comentários que li, dava a impressão que as pessoas estavam "romantizando" a história. Não há dúvidas do amor da Mãe pelo Jack, mas não é uma história fácil. Se tivesse sido narrada pela Mãe, ou mesclada entre a Mãe e o Jack, não teria ficado cansativa e traria ângulos diferentes. A parte do cárcere ficou focado naquilo que Jack enxergava na Mãe, enquanto que a liberdade focou apenas em Jack e nas suas descobertas diárias. Mas a condição da Mãe, enquanto vítima de todas essas atrocidades, passou batido, se assim posso dizer.
Entendo que a história pode ter várias simbologias, incluindo o fato do nome da Mãe nunca ser revelado. Mas a autora deixou isso se perder facilmente. O clímax foi no ponto errado da narrativa e o final muito arrastado. Isso não acontece no filme. A adaptação fílmica dá um nome a Mãe e pontua muito melhor os fatos importantes da narrativa.