Claudia Beulk - @velejandoporlivros 07/09/2020
No final, vale a pena
Publicado em 2010, O Cemitério de Praga é um romance histórico escrito pelo italiano Umberto Eco, escritor renomado, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo, falecido em 2016.
Em sua polêmica obra, Eco insere seu personagem principal, Simone Simonini (um dos únicos personagens inventados da trama) em eventos históricos ocorridos na Europa no final do século XIX. Antissemita, misógino, assassino, ambicioso em demasia e glutão, o falsário Simonini encontra várias figuras conhecidas durante a narrativa que se passa na França (na maior parte do tempo) e na Itália. O próprio título do livro é uma alusão ao cemitério judeu existente em Praga, onde, as teorias conspiratórias afirmavam, ocorriam encontros de rabinos representantes das 12 tribos de Israel que tramavam dominar o mundo e subjugar outros povos. Simonini é envolvido nessa trama que originou os Protocolos dos Sábios de Sião, documentos que posteriormente embasaram a ideia de Adolf Hitler de exterminar os povos semitas. Outro caso de antissemitismo muito conhecido que também é abordado no livro, é o Caso Dreyfus, conflito ocorrido em torno da acusação do capitão do exército francês Alfred Dreyfus (judeu) acusado injustamente de vender informações secretas aos alemães.
Através dos diários de Simonini, o vemos envolvido em muitos outros acontecimentos históricos além dos já citados e conhecer pessoas como Garibaldi, Alexandre Dumas, Léo Taxil e Freud, esse último, responsável por aconselhar o personagem principal a escrever os diários a fim de recobrar sua memória que sofria lapsos ao início da narrativa. Através dos diários percebemos que Simonini sofre de dupla personalidade pois alguns trechos são escritos pelo abade Dalla Piccola, revelando fatos ocultos da mente de Simonini que acredita que o abade seja outra pessoa que invade seus diários.
Além do antissemitismo abordado, atraindo a antipatia da comunidade judaica (mesmo a intenção do autor tendo sido denunciar o preconceito deixando claro que seu personagem antissemita é detestável e ridículo), Eco mais uma vez escreveu capítulos que desagradaram o Vaticano (feito já cometido em O Nome da Rosa), narrando conspirações jesuíticas contra maçons, satanismo e missas negras, aliás, particularmente considero o capítulo que descreve em detalhes uma missa negra um dos pontos altos de O Cemitério de Praga, que apesar de denso, naturalmente faz com que o leitor de humor mais ácido emita alguns risos.
Há quem acuse Eco de nesta obra ter sido pedante devido seu demasiado eruditismo, e não discordo totalmente, pois não é um livros para todos. É necessário conhecer um pouco da história da França e Itália do final do século XIX ou ao menos, gostar do tema para ter disposição de pausar a leitura a fim de informar-se sobre os personagens e ocorrências. Também é necessária total atenção para não perder-se na trama cheia de personagens e muitas vezes, paciência nas passagens não tão necessárias, como descrições detalhadas dos pratos que Simonini degustava, colocando em evidência sua glutonaria.
Se você prefere leituras mais fáceis e fluídas, talvez O Cemitério de Praga não seja para você, mas se já é habituado a livros densos e difíceis que exigem total atenção ou quer se desafiar, indico totalmente, pois apesar dos percalços, chegar ao final dessa obra que termina abruptamente impondo reflexões, vale muito a pena.
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