Rai_bvg 28/02/2024
As entrelinhas do amor
Dos meios singulares para dar ínicio e fim à escrita de um texto, Clarice Lispector começa sua obra através do uso de uma vírgula, e encerra a narrativa com dois pontos. Talvez, o uso inicial do acento como uma pausa necessária para nos arriscar em algo novo, em algo incerto. os dois pontos, por sua vez, ao assumirem o espaço do ponto final, carregam em si os desdobramentos do envolvimento do leitor com o texto, da magnitude do que fora registrado no palmo da palavra e, tão somente, para além dela.
Publicado em 1969, o livro retrata o romance entre Loreley e Ulisses. A procura de Lóri por si mesma é para onde a escrita de Clarice encaminha-se, aos encontros e desencontros de habitar a própria pele. No estar só consigo mesmo, e permanecer só ainda que esteja com o outro. É nessa ambiência que é dada a partida aos diálogos entre Ulisses e Lóri, perpassando pelas conversas convencionais e por aquelas nas quais surgem indagações como "quem é você?", onde o desconcerto faz-se presente na face, pois o estar com o outro também é uma forma de ir ao encontro de si mesmo, ainda que em proporções até então desconhecidas. Onde o silêncio do espaço entre a pergunta e a resposta dá brecha para ouvir o barulho interior, na liberdade horrível do não ser, como diz Clarice. Fazendo dos pés instrumento de impulso para se encontrar e viver se reencontrando.