Dudu 20/12/2023
O estrangeiro
Acho que nunca li nada parecido. Acompanhar um protagonista como o Mersault traz sensações tão estranhas e desconfortantes. Muitas vezes me senti tão entediado, com descrições banais e atenção a detalhes tão irrelevantes que honestamente não acrescentariam em nada para a história. Ao mesmo tempo, isso é como um mergulhar nos sentimentos vividos pelo personagem. Não tem como ler a primeira parte sem ficar se perguntando o que exatamente tem de errado com ele, por que age assim, e o que vai acontecer de tão extraordinário, porque até então tudo soa banal, já que tudo está revestido pelos seus tons de indiferença. E então inesperadamente a cena do fim da primeira parte parece quebrar totalmente aquilo que poderíamos esperar que fosse ocorrer.
Ironicamente, o tribunal é uma representação interna daquilo que já vínhamos fazendo até então, ainda que nem sempre conscientemente: buscar respostas e avaliar os hábitos do protagonista. O mais engraçado é que já temos respostas para tudo que aconteceu (foi o sol...?), mas ao mesmo tempo é como se estivesse tudo tão embaralhado ou, melhor, desfocado, embaçado. Nós sabemos o que Mersault pensa, sabemos que não é nenhum sádico ou psicopata, mas ao serem enunciadas no tribunal, suas ações são definitivamente colocadas sob nova perspectiva. Enfim, é um livro que, pra mim, é difícil de tirar conclusões em termos de avaliação, e sinceramente não sei se sou capaz de dizer que "gostei" de ler, mas certamente é um livro que incomoda, e considero isso muito importante, porque costuma ser sinal de que carrega verdades sobre os sentimentos humanos.