Pamela.AnAlia 30/07/2024
Mas estava certo de mim mesmo, certo de tudo, mais certo do que ele, certo da minha vida e desta morte que se aproximava. Sim, só tinha isto. Mas ao menos agarrava esta verdade tanto quanto esta verdade se agarrava a mim. Tinha tido razão, ainda tinha razão, teria sempre razão. Vivera de uma certa maneira e poderia ter vivido de outra. Fizera isto e não fizera aquilo. Não fizera determinada coisa, ao passo que fizera esta outra. E depois? Era como se durante todo o tempo tivesse esperado por este minuto e por essa madrugada em que seria justificado. Nada, nada tinha importância, e eu sabia bem por quê. Também ele sabia por quê. Do fundo do meu futuro, durante toda esta vida absurda que eu levara, subira até mim, através dos anos que ainda não tinham chegado, um sopro obscuro, e esse sopro igualava, à sua passagem, tudo o que me haviam proposto nos anos, não mais reais, que eu vivia. Que me importavam a morte dos outros, o amor de uma mãe, que me importavam o seu Deus, as vidas que as pessoas escolhem, os destinos que as pessoas elegem, já que um só destino devia eleger-me a mim próprio e comigo milhares de privilegiados que, como ele, se diziam meus irmãos. Ele compreendia? Ele compreendia o que eu queria dizer? Todos eram privilegiados. Só havia privilegiados. Também os outros seriam um dia condenados. Também ele seria um dia condenado. Que importava se, acusado de um crime, ele fosse executado por não ter chorado no enterro de sua mãe? O cão de Salamano valia tanto quanto a mulher dele. A mulherzinha-autômato era tão culpada quanto a parisiense com quem Masson se casara, ou quanto Marie, que queria que eu me casasse com ela. Que importava que Raymond fosse tão meu amigo quanto Céleste, que valia mais do que ele? Que importava que Marie oferecesse hoje a boca a um novo Meursault? Será que compreendia, portanto, este condenado? E que do fundo do meu futuro... Sufocava ao gritar tudo isso. Mas já me arrancavam das mãos o capelão e os guardas me ameaçavam. Foi ele, no entanto, quem os acalmou e me olhou por um momento em silêncio. Tinha os olhos cheios de lágrimas. Voltou-se e desapareceu.