Tarsila 17/07/2012Uma leve história sobre lutoFiquei interessada neste livro não pela sinopse, mas por causa de recomendações, embora sem tantas expectativas por causa de alguns comentários negativos que li.
O livro chegou e não teve como não ficar encantada. É realmente lindo como todos dizem; a textura da capa e o formato das orelhas são diferentes, a cor da fonte do texto é azul, no início de cada capítulo há uma página com a imagem de um pedaço de céu, e, o que mais chama atenção, há várias páginas com escritos irregulares, que imitam letra manuscrita, nos mais diversos fundos: papéis amassados, copos, galhos, paredes etc.
É claro que isso me deixou completamente curiosa. Li o primeiro capítulo e deixei-o lá, jurando que ia conseguir só voltar a lê-lo quando terminasse os livros que estava lendo. Na tarde do dia seguinte acabei não resistindo e voltei ao livro. Resultado: quando fui dormir, de madrugada e revoltada pelo sono não me deixar terminar a história, havia passado da metade do livro. Na tarde seguinte, terminei O Céu Está em Todo Lugar.
Não tem como parar de ler. Sério. Já faz certo tempo que eu não tenho tão forte essa sensação quase doentia de preciso continuar lendo.
A protagonista e narradora é Lennon Walker, chamada comumente de Lennie, uma clarinetista de 17 anos meio neurótica. Sim, por que quem é que lê o mesmo livro 23 vezes? O livro em questão é o clássico (campeão em citações em livros americanos) O Morro dos Ventos Uivantes, que ela lê para “se acalmar”.
Lennie sente-se perdida; sempre viveu à sombra de sua irmã mais velha, Bailey, que morreu recentemente. A mãe de ambas é uma “exploradora”, como a avó, que as criou, explica, e não voltou para casa desde que saiu, quando Lennie tinha um ano. A ausência dos pais – nenhuma das duas conheceu o pai – só fez com que as irmãs se tornassem mais próximas, dividindo o quarto, as roupas e os sonhos.
“Nas fotografias em que estamos juntas, ela está sempre olhando para a câmera, e eu estou sempre olhando para ela.”
A família Walker é excêntrica. A avó dedica-se a cuidar de um belo jardim, possuidor de efeito sonífero e afrodisíaco. O tio Big, que depois do quinto divórcio veio morar com Lennie, é um homem grande que fuma maconha e tenta ressuscitar insetos.
Lennie sempre se encantou com o amor como o de Heathcliff e Cathy, de O Morro, porém até então não havia se interessado por garotos. O que acontece depois do falecimento da irmã.
Toby é um garoto de feições felinas, silencioso com pessoas mas idôneo para se entender com animais. Ex-namorado de Bailey, parece o único a compreender a dor de Lennie; e os dois veem-se envolvidos, buscando desesperadamente a irmã e a namorada que perderam.
E há Joe Fontaine, que Lennie conhece quando volta a frequentar a escola, um músico talentoso que, com seu sorriso enorme e constante, contagia a todos, até mesmo “John Lennon”, como chama a clarinetista enlutada, com sua alegria espantosa.
“Quando Joe toca seu trompete eu caio da minha cadeira de joelhos quando ele toca todas as flores trocam de cor e anos e décadas e séculos de chuva voltam para o céu”
Os personagens são cativantes e originais, às vezes caricatos; algumas das situações são inverossímeis, mas a autoras declarou as estranhezas “verdadeiras”. A história é permeada por poemas, frases e diálogos escritos por Lennie que nos fazem conhecer mais sua irmã e são lançados ao acaso, conteúdo este presente nas páginas “diferentes” que mencionei. As situações vivenciadas por Lennie são bastante envolventes, e a leitura ganha um ritmo célere.
A linguagem é o melhor de tudo, sensível, delicada e poética, repleta de figuras de linguagem. A autora Jandy Nelson, aliás, é também poetisa, e conta essa história belamente, criando imagens que chamam atenção não só pelas emoções que transmitem mas pela construção bem-elaborada.
“É como se alguém tivesse aspirado o horizonte enquanto estávamos olhando para outro lado.”
“(...) quando eu passo, as conversas fluem, os olhares demonstram uma compaixão de me dar nos nervos, e todos me encaram como se eu estivesse segurando o cadáver de Bailey em meus braços, o que, por sinal, acho que estou.”
É difícil para Lennie descobrir como prosseguir sem ser acompanhando sua irmã cheia de vida, é extremamente difícil se desfazer de seus objetos pessoais, retirar suas coisas do quarto, o que ilustra sua relutância em existir sem ela. Depois da morte de Bailey, com a família Walker desolada, Lennie sente a vida mais intensamente, por ter sentido a morte à espreita. Sente a perda da irmã o tempo todo, em tudo que faz e vê a lembrança dela volta, a ausência permanece. Chegando a sentir culpa por continuar viva, Lennie precisa amadurecer e descobrir como ser autora de sua própria história.
Eu resumiria o livro como extremamente envolvente; não cansa em momento algum, pelo contrário, sentimos a dor de Lennie em cada linha, em cada lamento; somos transportados para ela mediante uma linguagem admirável, e o romance faz que a história, que também contém humor, adquira uma dose de leveza.
O Céu é o romance de estreia de Jandy Nelson; fiquei bastante interessada em ler outras obras suas, não só romance como também poemas...