Eduarda Petry @paginaoito 19/11/2019A solidão humana e a nossa necessidade de comunicaçãoWhat are all songs for me, now, who no more care to sing? (...)
But my heart is a lonely hunter that hunts on a lonely hill.
Sul dos Estados Unidos, final da década de 30. O mundo se prepara para a Segunda Guerra Mundial, enquanto esse pedaço da América confederada ainda se recupera da Grande Depressão. No meio de tudo isso, em uma pacata cidade, conhecemos John Singer, um gentil homem surdo que acaba de ver seu melhor amigo ser internado em uma clínica psiquiátrica. Forçado a mudar seus hábitos, Singer se vê envolvido na vida de novas pessoas, que enxergam nele uma contraparte compreensiva e acolhedora, um ouvido amigo - e a ironia desse fato não reside apenas nessa resenha, mas em todo o livro. É nesse contexto que somos introduzidos à Mick Kelly - uma adolescente que sonha em ser pianista -, Jake Blount - um marxista alcóolatra, Briff Brannon - o observador e realista dono do New York Café, e Benedict Copeland - um médico negro que almeja salvar o seu povo. Todos esses personagens são atraídos pela presença de Singer, e é sob essa perspectiva que nos são apresentadas suas personalidades, sonhos, ideais e valores, bem como a realidade cruel que permeia a vida de cada um.
O Coração é Um Caçador Solitário é um livro sobre a necessidade humana de se comunicar. É também um livro sobre a nossa incapacidade de fazê-lo. Presos às nossas expectativas do outro, criamos um ideal que não é recíproco: queremos ser ouvidos e compreendidos, mas o outro não nos interessa para além de um recipiente de nossas confissões. Singer é, dessa forma, a perfeita matéria prima para esse trabalho, sendo apto a apreender (lendo os lábios), mas incapaz de falar. Cada locutor enxerga no surdo o que lhe interessa. No entanto, nenhuma dessas coisas é o que ele é, sendo Singer apenas um homem cuja vida rotineira, marcada pela perda do seu principal ouvinte, beira a indiferença para com o mundo. Essa apatia pode ser facilmente confundida com afabilidade, e é talvez o próprio medo da solidão, e não o altruísmo, a principal motivação para acolher esses estranhos no seu quarto.
É na relação de Singer com Antonapoulos, seu amigo surdo, que vemos na personagem a mesma necessidade de comunicação. Pautada em conversas unilaterais, vemos aqui os papéis invertidos: agora Singer é quem fala sem parar, transformando cada pequena reação do amigo no respaldo e corroboração que necessita. De forma brilhante, McCullers demonstra no desfecho do livro o mutismo de todas as suas personagens, ressaltando o isolamento de cada um desses seres ludibriados pelas suas próprias ideações, incapazes de enxergar a realidade.
Foi uma leitura longa, amarga e densa. Em diversos momentos, me vi com o coração apertado, um nó na garganta, lágrimas nos olhos. Não é fácil um livro mexer comigo de forma tão intensa. A escrita da Carson McCullers é simples e descritiva, mas sem perder a agilidade. Também não perdeu a relevância no cenário atual, me fazendo refletir sobre diversos aspectos do que consideramos comunicação. Em tempos de redes sociais, o quanto da relação dessas personagens com Singer não é a nossa relação com o virtual? Escolhemos o que queremos ver, e enxergamos as situações pelo cenário que melhor nos agrada. Vivemos um período de cegueira elegida. Nos dois sentidos da palavra.