Larissa Castro 14/09/2014
Análise
Quem diz que os homens não entendem as mulheres, não conhece D. H. Lawrence. O autor, com sua percepção e sensibilidade tamanhas que beiram a genialidade, constrói em Lady Chatterley's Lover uma narrativa que mergulha profundamente no universo feminino de Constance, personagem central, traduzindo para ao leitor de forma bastante original todas as problemáticas que envolvem a vida da mesma, desde a sensação de estar presa e infeliz no próprio casamento até problemas com o corpo e envelhecimento.
D. H. Lawrence, com sua literatura perseguida, censurada, dita como obscena e pornográfica, atribuindo ao autor o título de "escritor maldito", vem a nos apresentar - primeiramente em 1928, através de publicação clandestina na França - o que se trata na verdade de um romance de linguagem tão honesta e direta, tão desmistificadora de convenções sociais, que pode ser chocante ou desconfortável até para a contemporaneidade. Críticas acerca do casamento, da adoração ao dinheiro, da perseguição pela carreira pública visando status social; a colocação de casos extraconjugais na posição de acontecimento natural, a discussão sobre a relação homem/mulher são os temas principais de composição da obra. Lawrence se mostra bastante a frente do seu tempo quando descreve personagens femininas tão sexualmente livres quanto os personagens masculinos, usando a liberdade para desconstruir conceitos antigos de que o sexo estaria sempre ligado ao sentimento amoroso.
"Uma mulher pode receber um homem sem se entregar a ele, ou sem cair em seu poder antes utilizando-se do sexo para adquirir poder sobre ele. Durante a cópula, basta que se contenha, que o deixe chegar ao clímax sem que com ela aconteça o mesmo. Por outro lado, ela pode prolongar o coito e conseguir seu orgasmo sem que o homem seja outra coisa senão mero instrumento." (Cap. 1)
Em um cenário de total melancolia - que representa possivelmente um reflexo geral de herança da guerra, mas que se agrava pelo estado depressivo em que se encontra Constance Chatterley, ao viver com o marido inválido por ferimentos de guerra numa casa distante de todo movimento cotidiano das grandes cidades, em função do mesmo se dedicar totalmente a sua escrita e a sua tão sonhada posição de escritor louvável - a obra parece conter algumas ideias existencialistas, que fica percebido ao leitor através da linha de pensamento da personagem central.
"Vácuo! Aceitar o grande vazio da existência parecia-lhe a única finalidade da vida, com todas as pequenas ocupações compondo o grande todo: nada!"
"Pois é só isso mesmo!" (Cap. 5)
[...] "O nada a envolvê-lo de todos os lados. Sinistro esse existir assim sem vida nenhuma em torno; existir na morte - apenas existir, não viver." (Cap. 10)
Outra exposição da grande sensibilidade de D. H. Lawrence acontece na construção do personagem masculino de grande complexidade psicológica, Oliver Mellors, o segundo e principal amante de Lady Chatterley. Através de Mellors, Lawrence introduz o polêmico assunto de divisão de classes, cujo caráter problemático permeia por toda a obra. Isso porque, apesar de Mellors assumir o posto de guarda-caça da família, o leitor vem a descobrir, à medida que detalhes mais íntimos do personagem vêm sendo expostos, que o mesmo se trata de um homem estudado que já havia pertencido à "classe de intelectuais" no passado, abandonando-a posteriormente por vontade própria, falando em dialeto propositalmente, quando tinha muito interesse em literatura e dominava totalmente o inglês formal, tudo isso por rebeldia às constituições sociais. Nesse ponto, especialmente, Mellors era o total oposto de Clifford, o marido, e de Michaelis, primeiro caso efêmero de Constance, assim como da maioria dos homens da época, pois odiava a busca cega por dinheiro e a forma como a sociedade era agora diferente naquela que ele chamava de "Nova Inglaterra" - podendo tais impressões do personagem constituir caráter autobiográfico, visto que coincidem com algumas opiniões do autor a respeito do tema -. Segundo o próprio Oliver Mellors, o mesmo tinha tudo o que era necessário para assumir uma boa posição no exército, mas não foi de sua vontade seguir este caminho, pois não era do seu interesse a busca pelo poder. Tal característica, segundo o personagem, fazia com que terceiros o definissem como "afeminado" ou pouco másculo. Isso faz com que o leitor infira que Mellors não é uma vítima do destino quando se trata de ocupar a posição de empregado dos Chatterley, mas alguém que assume as conseqüências de suas próprias escolhas, de sua filosofia de vida e visão de mundo.
Se tratando das questões sentimentais, a complexidade não abandona o personagem. O amante aos poucos expõe seus traumas provenientes de relacionamentos passados, especialmente os desagradáveis problemas relacionados à sua esposa, do qual é separado, porém não legalmente divorciado. Ao mesmo tempo que parece completamente envolvido com Constance, principalmente pela compatibilidade que ocorre entre os dois no ato sexual - fator de grande importância para Mellors, visto que o mesmo afirma não ter experimentado tal compatibilidade nunca antes com qualquer outra mulher - ele também hesita em entregar-se emocionalmente à Lady, por vezes retraindo-se, tornando-se frio e distante. Mas seu comportamento e sua insegurança são justificados pelo contexto problemático em que o relacionamento de ambos se encontra: Mellors na situação de amante de sua patroa, pertencente à classe dominante, cujo alto padrão de vida ele jamais poderia proporcioná-la, caso a mesma abandonasse tudo para viver com ele. Mas Constance não se importa, pois além de amá-lo completamente, é possuidora de sua própria quantia de dinheiro, que daria para sustentá-los inicialmente, caso viessem a viver juntos. E é o que realmente acaba acontecendo ao fim da narrativa, com ambos dando entrada ao processo de divórcio de seus respectivos cônjuges, constituindo assim um final feliz, como uma verdadeira obra de romance.
Tal análise é superficial diante do que um estudo profundo da obra poderia oferecer, mas à mesma já mostra um pouco da injustiça sofrida pela rica narrativa de D. H. Lawrence, quando a mesma é citada apenas como obra de conteúdo sexual explícito. Certamente, a riqueza das questões abordadas no livro vão muito além de tal aspecto. Assumindo uma postura honesta e colocando de lado pudores de uma geração - alguns estando presentes na sociedade até os dias atuais - Lawrence nos apresenta uma bela história de amor, mostrando que, apesar de a relação sexual não ter de estar necessariamente associada ao sentimento - focando tal aspecto especialmente no universo feminino através da liberdade sexual de Constance - quando ambos os fatores se unem: sexo e sentimento, alma e corpo, espírito e carne, o resultado pode ser transcendental.