Silmara 18/12/2013
a carta de Olivia
Quero que abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo. Peçote
que pegues na minha Bíblia, que está na estante de livros, perto do rádio, e
leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está
marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar nesse trecho,
principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não
trabalham nem fiam e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se
vestiu com um deles.
Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e
ficar de papo para o ar, esperando que tudo nos caia do Céu. É indispensável
trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem
beleza. Mas precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E
quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos
fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do Céu.
Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e
da renúncia, ou que ache que o povo deva viver narcotizado pela esperança da
felicidade na «outra vida». Há na Terra um grande trabalho a realizar. É tarefa
para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços
enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios
ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes frente. É
indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da
violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera a vida de Jesus. Ele
foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.
Quando falo em conquista, quero dizer a conquista de uma situação
decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, do espírito
de cooperação.
E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e
passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do
Mundo. Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa
luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há-de levar.
Precisamos, portanto, de criaturas de boa vontade. E de homens fortes
como esse teu amigo Filipe Lobo, que seria um campeão da nossa causa se
orientasse a sua ambição, o seu ímpeto construtor e a sua coragem num sentido
social e não apenas egoisticamente pessoal.
Não sei, querido, mas acho que estou febril. Este entusiasmo, portanto,
vai por conta da febre.
Ouço agora um ruído. Deve ser a ambulância que vem buscar-me. Senti
um calafrio