Leitora Viciada 05/05/2012A Literatura nacional tem me surpreendido cada vez mais. No entanto, Reencontro foi mais que uma surpresa, foi uma mistura de emoções tão intensas que não tenho como descrever a leitura. É sempre complicado resenhar livros que nos provocam tantos sentimentos, que amamos ler cada capítulo. Porque o lado emocional acaba querendo falar mais alto que o lado crítico.
Em primeiro lugar, não parece um livro de estreia. Não parece livro escrito por iniciante. Sei que é o primeiro livro publicado pela autora, mas não sei se foi o primeiro escrito por ela. Encontrei uma maturidade na sua escrita. Mais que maturidade: personalidade. Ela foge completamente de expressões e descrições comuns e clichês. Ela soube deixar todo o texto com uma marca própria, mesmo quando repete palavras ou expressões. O vocabulário dela é vasto, utiliza adjetivos diferentes para caracterizar pessoas, cenários e ações. Então notei que essa repetição é para reforçar certas ideias e estilos.
É uma história forte, intensa, como a protagonista, Ana Luiza. Existe um ar poético na narrativa, que transforma ambientes simples em locais mágicos, com vida própria. Tudo de repente cria vida: uma chuva, um lago, uma janela, uma música. A escrita da Leila é única. Somente assim posso resumir o estilo da autora. Ainda mais: a autora utiliza referências culturais e populares em todo o livro. Isso ocorre com uma citação ou trecho de um livro, poema ou música; mencionando séries ou programas de televisão; ou quando a protagonista compara a fisionomia de alguém com a de um rosto famoso - uma das manias da Ana Luiza. Isso deixa a leitura agradável e sem poluição; o texto continua belo, mas moderno.
No início do livro, me senti meio perdida nos diálogos com sotaque e estilo de Porto Alegre, cidade onde ocorre a trama. Achei bem diferente da fala do Rio de Janeiro, ao qual estou acostumada. Porém, depois me adaptei e na verdade achei a forma das personagens falarem bastante charmosa e bem mais bonita.
A história da Ana Luiza, além de intensa, é triste e dramática. Às vezes você sente vontade de chorar, mas confesso que nas primeiras páginas, não simpatizei com a Ana. Ela me pareceu muito rabugenta e sombria, achava que em vários pontos ela soava exagerada em seus sentimentos desesperados de amores que não deram certo. Eu pensava em como, fora os problemas com ex-namorados, ela tinha uma vida boa. Com pai e mãe casados, ótima vida financeira, uma faculdade excelente, uma melhor amiga especial e até um cãozinho fofo. Eu ficava pensando porque ela era tão amarga, infeliz e passava quase o tempo todo desgostosa da vida, se fazendo de vítima e sem se importar com as pessoas, odiando a Deus e menosprezando a fé dos outros, o sentimento positivo e felicidade alheia. Até que a compreendi.
Conforme a história corria, (e corre mesmo, pois é impossível parar a leitura), percebi os problemas da Ana. Não eram problemas de coração apenas. São feridas na alma. E notei que a vida dela nem era tão boa assim. Dinheiro não é tudo; cursar uma faculdade que não deseja é moldar o futuro de uma forma infeliz; pais casados nem sempre significa que estão juntos; e tê-los vivos e morando na mesma casa, nem sempre é sinônimo de família e companhia.
Ana não sabe o que é o amor verdadeiro. Não apenas entre casais, mas o amor em qualquer forma, com amigos ou familiares. Nana, sua melhor amiga, é uma descoberta recente em sua vida, até com isso ela ainda está se acostumando, ou seja: Ana não se entrega às relações e foge das pessoas de uma forma geral. Ainda está aprendendo com Nana o que é a amizade sincera, quando mais alguém se aproxima dela: Rafa, com seus olhos plácidos e caramelados.
Ana não possui autoestima. Mesmo sendo uma moça jovem, lindíssima, inteligente e cheia de talentos, ela não se vê dessa forma. Não possui amor próprio e não valoriza a sua vida.
Abandonou há muitos anos a sua fé em qualquer coisa, em Deus, em si própria. Largou todos os seus sonhos. Sonhar é para fracos. Chorar, amar, demonstrar as emoções é para fracos. Ela quer ser forte, e não percebe que tentando ser forte, enfraquece cada vez mais o coração e a alma. Até que sua fraqueza se espalha para a mente e corpo: passa a se afundar e a depender cada vez mais de drogas e álcool.
E você, leitor, vai ao fundo do poço com ela. Se emociona tanto que sente vontade de salvá-la. Mas não pode. Então fica torcendo, desejando que Ana consiga superar tudo.
Se não bastassem os problemas criados por ela, como a dependência química e a falta de amor, chegam os obstáculos da vida. Aqueles inevitáveis, imprevisíveis e potentes. Pedras no caminho. Ana chega a um ponto que essas pedras se amontoam até se transformarem numa imensa montanha, que ela não consegue escalar. Talvez ela tenha que escavar fundo e ultrapassar pelo subterrâneo.
Ela precisa confrontar a si mesma, perceber o amor ao redor e vencer toda a dor, depressão e desespero. Pois no fim, Ana é uma boa pessoa, e quer ser feliz, só não sabe como. Viver uma história de amor mesclada a tantos desastres e perigos pode ser a saída. Pelo menos é isso que eu pensava enquanto lia o livro.
As personagens são bem delineadas, até mesmo as mais secundárias. E estou sem palavras para descrever em como a autora uniu acontecimentos para surpreender ainda mais. Ao chegar à metade do livro, quando você acha que sabe como será o andamento do enredo, chegam mudanças, sustos e descobertas. Uma em particular é tão especial... acredito que a visão de cada um pode variar, mas impossível se manter intacto.
A autora me fez detestar Ana Luiza no início do livro. Ou foi a própria Ana Luiza? Sim, ela parece existir, de tanto apego que a leitura provoca; queria dar uns tapas na protagonista.Na metade da história eu mudei de ideia e queria abraça-la, chorar com ela. E no final... ganhou minha admiração e respeito. Que diferença, não? Ela tornou-se (em minha opinião) uma das "heroínas" mais marcantes da Literatura brasileira atual.
Não quero dar mais detalhes para não estragar a leitura. As surpresas é que fazem dessa uma incrível história. Na simplicidade das palavras da autora existe um peso enorme. Palavras que tocam, cativam e trazem diversas mensagens ao leitor. Mensagens de fé, de coragem, de superação e de amor. O livro é lindíssimo e me tornei fã da Leila; ele veio até mim por book tour e me sinto abençoada em poder lê-lo. Realmente tocante. Agora está na minha lista de desejados, pois é do tipo que se deve ler em diversas épocas da vida. E recomendar a todos!
Uma história sobre perdas tristes e marcantes; sobre buscar e lutar pela felicidade, dia após dia; sobre descobrir quais são seus sonhos, princípios e crenças; sobre encontros, desencontros e reencontros; sobre descobertas; e o principal: sobre valorizar a vida, seja a sua ou de quem faz parte dela.
Trechos:
"Olhou bem dentro de seus olhos. Concentrou-se, avaliou... Se havia nuvens, teria de encontrá-las. Mas ela não sabia ainda ver... Só sabia sentir. ela só sabia sentir a chuva, e não via as nuvens..."
"Fez cantar os pneus do carro. Sem olhar para trás. Perguntou a Nana se podia dormir na casa dela. Não queria ir para a sua casa. Não era seu lar. E era vazia."
"Porém ela não estava preparada. Devolveu os diários ao fundo do armário. Não podia ainda lê-los. Aprisionou-os lá dentro outra vez. Ao encarcerá-los laçou-a um pensamento proibido."
"Ele a beijou na testa. Ela fechou os olhos para que pudesse sentir o beijo morno dele. Seu perfume amadeirado. E ele se foi, deixando-a com uma falta inexplicável."
"Tomava remédio de tarja preta e vermelha. Agora, além de depressiva, ela era uma dependente crônica. Qual seria seu próximo passo, um hospício? Sua mãe que dizia..."
"Nana falara a Ana Luiza que ela tinha um coração puro. Ela não se achava uma pessoa boa. Não mais! Um dia quem sabe tivesse sido. Agora ela entendia o mundo e não caía mais nas armadilhas pueris."
"A vida são recomeços. Recomeçar é reencontrar o que se perdeu, ou mesmo reencontrar a busca do que nunca se teve. As pessoas estão sempre buscando reencontrar alguma coisa."