Gramatura Alta 18/07/2015
Angustiante
Você se olha no espelho e não há ninguém ali que valha a pena identificar. Por mais bonito que você seja, a única coisa que você vê é algo feio, vazio, sem propósito, imperfeito. Não há nada naquele reflexo que justifique respirar. Você fecha os olhos e sente a dor. O aperto no peito, a dificuldade em respirar, o desespero, a solidão, mesmo estando rodeado de pessoas que te amam. Você mantém os olhos fechados e se deita, embora as pernas tenham força para te manter em pé. Você sente as lágrimas caírem, os lábios tremerem e sabe que não há nada que faça elas pararem. Sabe que a única coisa capaz de fazer isso, é dormir. E luta para conseguir. E se não consegue ter esses breves momentos de inconsciência, que ajudam você a se manter respirando, então pensa no que pode fazer para que eles aconteçam. E então vêm as más ideias. Elas não são uma saída covarde. Elas são a solução para uma dor que não passa tomando remédios. Mesmo dormindo, você sabe que a dor estará lá quando acordar. Então, você faz o que for preciso para acabar com esse sofrimento.
Isso se chama depressão.
Não existe uma causa específica para se ter depressão. Ela simplesmente explode em seu peito e te arrasta para uma escuridão sem fim. Não existe conversa lógica que te convença de que o que sente não faz sentido. Que os problemas podem ser resolvidos. Que você é uma boa pessoa e que só está passando por uma fase difícil. Nada disso adianta, porque a dor e o desespero permanentes não deixam. Pode ser o fim de um namoro, a saída de um emprego, a perda de um ente querido ou um amigo. Pode ser, simplesmente, porque um dia você se olha no espelho e se acha feio. Algo explode em seu cérebro, na sua alma, e você se quebra. E acha que nada poderá juntar seus pedaços novamente.
"Seria mais fácil se ela pudesse deletar as coisas de sua cabeça como se deletava um Orkut... ou um contato do MSN... um número de celular. Mas não era assim. Não havia botões... o botão verde contra a dor. Só apertar e descansar. Um botão verde de emergência para o coração. Um coração sem memória."
Ana Luiza, a personagem de Reencontro, enfrenta esse problema, com o agravante do consumo de álcool e drogas. É difícil para quem nunca viu alguém em depressão entender os motivos que a levaram tão longe. Todos temos desilusões amorosas. Todos, em algum momento, presenciamos discussões dos nossos pais. Todos perdemos alguém de quem gostamos. Mas por que só alguns não conseguem suportar? Não há uma explicação para isso. Nem os terapeutas sabem dizer o que leva uma ou outra pessoa a se entregar para tanto sofrimento.
Para mim, acompanhar a trajetória de Ana Luiza foi agonizante, mas é reconfortante encontrar no livro a única coisa que realmente consegue tirar alguém da depressão. Não são os remédios nem as terapias que fazem isso, mas o amor. Não o amor de pai e mãe, não o amor de amigos, não o amor de filha, mas o amor entre um homem e uma mulher. Esse é o único amor que consegue injetar em quem está deprimido a esperança de que não é tão pouco, que ainda vela apena viver.
Por quê?
Porque amor de pai e mãe é incondicional, não vale. Amor de amigos é insuficiente, porque amigos ficam ao seu lado mesmo que você seja tão fraco e imperfeito. Mas o amor de alguém que sente desejo por você, esse amor mostra que você tem algo que vale a pena lutar, algo que pode ser admirado e que pode fazer a diferença para outro alguém ser feliz. Você se sente importante, você encontra um motivo para se levantar, parar de chorar e acreditar que ainda existe algo dentro de você que presta.
"Ana Luiza ficou no mínimo meia hora decidindo se ia levantar. Foi ao banheiro, urinou sem ânimo; confrontou sua cara inchada no espelho, atirou água nela como se a agredisse. Olhou-a outra vez no espelho... e arregalou os olhos. Procurando nuvens escuras que giravam devagar como redemoinhos. Olhou bem dentro de seus olhos. Concentrou-se, avaliou... Se havia nuvens, teria de encontrá-las. Mas ela não sabia ainda ver... Só sabia sentir. Ela só sabia sentir a chuva, e não via as nuvens..."
Rafa é a representação desse amor para Ana Luiza. É ele quem inicia sua subida e que justifica sua luta para conseguir se recuperar, ou reencontrar. Sem Rafa, Ana Luiza não teria motivo para lutar. Mas não só porque ele diz que a ama, mas porque é verdadeiro. É um amor sem interesses. Um amor que usa o respeito e a confiança para solidificar sua base. Só assim é possível salvar alguém definitivamente da depressão.
Tudo o que fazemos, de bom ou ruim, tem consequências. Para nós ou para quem nos rodeia. Ana Luiza aprende isso da pior forma. Às vezes aquele telefonema que você recusa, a preguiça que evita você sair numa tarde, ou a resposta mais rude a alguém, pode direcionar a vida para um resultado desastroso. Mesmo você não tendo culpa direta, sempre fica a dor na consciência de que poderia ser diferente. E tudo o que você faz de ruim com você mesmo, um dia é cobrado. Seu corpo e sua mente cobram.
"Em dez de outubro, dia de céu nublado, ela se sentira feliz como há muito tempo não se sentia. Ela flutuava, seu corpo finalmente pairava. Por um momento nada faltara a ela. E por um momento ela não tivera medo. Na primavera tudo renascia... mesmo que não houvesse muito sol. Havia força."
A parte final de Reencontro demonstra que o fim de um processo pode ser mais doloroso que todo o seu conjunto, mas que se você tiver quem te ama, de verdade, você consegue se levantar, se reencontrar, se reconstruir e recriar uma vida que pensou que não poderia ter.
Curioso que disse isso no texto do dia dos namorados de sexta-feira, mas, no fim, tudo que você precisa para se manter em pé, é acreditar em você mesmo e em que te ama. Com isso, você consegue ser feliz.
Reencontro, principalmente para quem já conheceu a depressão, é uma leitura que traz a confirmação de que você pode ser um vencedor sobre uma doença que não é compreendida pela maioria das pessoas, mas que existe e te destrói por dentro.
site: http://conjuntodaobra.blogspot.com.br/2015/06/reencontro-leila-kruger.html