Samantha @degraudeletras 02/10/2020Sabemos que o Sul dos Estados Unidos é marcado por forte racismo estrutural e é esse cenário que Flannery O’Connor utiliza como pano de fundo para os dez contos reunidos em Um homem bom é difícil de encontrar, título um tanto eufemista.
Flannery é conhecida por explorar o gótico sulista, que muitas pessoas chamam de grotesco, mas como a mesma autora disse certa vez “Descobri que qualquer coisa que vier do sul será chamada de grotesca pelo leitor do norte, a menos que seja grotesca; nesse caso, será chamado de realista“, ou seja, o que é tido como grotesco em suas histórias chega aos nossos olhos como um retrato da realidade humana.
Todos os personagens ao logo dos dez contos são dotados de muita religiosidade e demagogia, são pessoas que se apresentam com palavras bonitas e vazias, relações interesseiras e muito racismo.
Uma passagem que achei interessante ocorreu no conto O negro artificial e uma criança não vê a diferença entre negros e brancos, mas o seu avô faz questão de apontar :
“ […] ‘O que era aquilo?’, perguntou ele.
‘Um homem’, disse o Nelson, que a essa altura sentiu que era melhor ser prudente.
‘Você não sabe de que tipo?’, Mr. Head disse em tom defenitivo.
‘Um velho’, disse o menino, com súbito pressentimento de que não ia se divertir tanto assim naquele dia.
‘Pois era um negro’, disse Mr. Head, se recostando. ” p. 133
O mesmo senhor que discrimina os negros por sua cor é o que abandona o neto em certo momento de dificuldade. Pois é, O’Connor ressalta o grotesco de cada um.
Esse é um livro inquietante e forte, que nos faz refletir sobre a humanidade. Aqui não há histórias levinhas para passar o tempo.
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