Reccanello 06/11/2021Homens, perdoai-lhe, Ele não sabe o que fez!Por si só, ler Saramago é uma experiência maravilhosa! Graças à fluidez de sua prosa, sem muitos parágrafos e sem o engessamento da pontuação formal, parece que estamos ouvindo a melodia de um contador de histórias cujo fluxo de pensamentos não é acompanhado pela lentidão do texto escrito, mas logo a sensação de desconforto inicial passa e o estilo característico do autor nos toma por completo, de forma apaixonante. Então somos lançados à história do carpinteiro José e da cardadeira Maria, ambos moradores de Nazaré, mas ele originário de Belém, fato que, se não nos é importante, o é para o desenrolar da história, que ambos se veem enredados nas tramas de um Deus que quer aumentar sua influência divina sobre os homens (ao que parece, os deuses vivem, se é que vivos são, a disputar a atenção de seus fiéis), e de ambos, do carpinteiro José e de Deus, bem entendido tal fato não é mas a estranheza faz parte daquilo a que, chamado fé, faz-nos mais acreditar em algo quanto menos provável é de acontecer, é gerado o menino Jesus, que conquanto nascido em Belém será conhecido como Nazareno, e que depois de realizar muitos milagres haverá de morrer na cruz como Filho do Homem e a quem milhões seguirão e amarão e odiarão, e por quem lutarão e matarão sempre na intenção de, arrependendo-se de pecados que muitas vezes nem seus são, mas criados e punidos pelo mesmo que os criou, aumentar a influência do verdadeiro e único deus (o que, ironicamente, aumentará também a influência do Diabo). Uma história forte, contundente, que nos faz pensar sobre e questionar muito do que foi dito pelos sacerdotes, mas mais ainda do que por eles nunca foi falado. Esqueça-se do que leu na Bíblia sobre Jesus: essa história é muito mais interessante, porquanto muito mais verdadeira ao não excluir dos sentimentos do pobre Jesus, que além de filho de Deus era também filho de um homem e de cuja natureza humana não se pode dissociar, o amor que descobriu sentir, e que sentiu até o último instante, pela pobre Maria de Magdala, esta sim pobre, seja por nada ter antes seja por ter perdido o pouco que um dia veio a ter junto de Jesus, homem a quem não se pode nem deve se chamar de pobre por ser, como dito, filho de um deus, a quem, por definição, tudo pertence. Leia de coração e mente abertas, sem preconceitos e, certamente, encontrará no livro mais amor e alma e redenção que jamais encontrará nas palavras de qualquer pastor de ovelhas, sejam elas literais ou figurativas.
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