Otavio.Paes 05/07/2020
Um abalo às percepções dos fenômenos da realidade
Vou fazer alguns comentários e relatar impressões que tive da obra; embora tenha lido há alguns meses.
Este romance filosófico passou por algumas edições, pois estava demasiado filosófico para um romance, inclusive Beauvoir o revisou, e então foi publicado em 1938.
Esse livro traz nuances de sua filosofia, que irá se solidificar mais tarde em outras obras. Pra quem quer começar a lê-lo, essa é uma boa obra. A leitura é fluída, pois os conteúdos filosóficos estão diluídos.
Antonie(protagonista) lança um olhar aguçado sobre seu entorno, observando os objetos e as pessoas, e fica em dúvida se é as coisas que mudam ou se o que está mudando é a percepção do eu sobre elas(oque aumenta seu enjoo). Percebe que eles existem mas não têm ciência disso, diferente de nós; demonstra o devir da vida: "infinitas pequenas metamorfoses ocorrem em nossa vida, sem que percebamos, e de repente ocorre uma revolução", então diz que não tem medo da mudança mas do que ele pode se tornar.
A causa da náusea de Antonie, é a percepção de que a vida não tem sentido, ela é regida pela contingência (acaso), ou seja, nossa existência ou inexistência não tem uma razão, tudo é imprevisível. Sua náusea vai embora quando ele ouve uma música, porque esta tem começo, meio e fim, que formam um todo ordenado- na contramão da realidade e da vida humana.
Depois, Roque Tim pensa em escrever um romance para que seu nome seja lembrado pelos leitores, mas acaba mudando de idéia, e caçoa de uma tia que tinha a música de Chopin como bálsamo- afinal, a arte não salva ninguém.
Uma leitura que reflete e representa muito bem a contingência Oque é super atual, pois quem poderia esperar essa pandemia? Ela é fruto do acaso; ou como diria Nietzsche, faz parte da "inocência do devir"; "o acaso é inocente como uma criança".
A Náusea nos mostra como a ficção é mais interessante que a vida, esta, no dia a dia, não tem grandes aventuras nem grandes acontecimentos, tudo meio parecido e sem novidades. O cenário muda, as pessoas entram e saem; e isso é tudo. Nunca há princípios. Os dias sucedem aos dias, sem tom nem som; é um alinhamento interminável e monótono. "Em certos momentos - raras vezes - deitam-se contas à vida, percebe-se que estamos ligados a uma mulher, que nos metemos num bom sarilho. Como um clarão, o momento passa. Então o desfile recomeça, voltamos a alinhar as horas e os dias. Segunda-feira, terça, quarta. Abril, Maio, Junho. 1924, 1925, 1926. Viver é isto.". Já na ficção é diferente, "as dificuldades dos personagens são bem mais preciosas que a nossa; doura-as a luz das paixões futuras. E a narração prossegue ao contrário: os instantes cessaram de se empilhar ao acaso uns por cima dos outros, morde-os o fim da história, que os atrai, e cada um deles atrai, por sua vez, o instante que o precede".