Rodrigo
11/12/2020Como pode um livro ser tão incrivelmente bem escrito e desenvolvido?Bom, o livro é uma história de origem contada pelo ponto de vista de Kehinde, uma africana arrancada da região de Daomé, na África e levada como escrava para o Brasil. Toda a narrativa é feita dentro da premissa de Kehinde contando sua história pessoal, desde sua infância até sua velhice. Ela conta toda sua história de vida marcada por mortes, estupros, amores, amizades, violência e, acima de tudo, força. A forma como o livro é contado nos deixa tão envolvido com a história e com os personagens que me fez amar cada vez mais esse livro.
O romance é muito bem escrito, descrevendo as religiões e costumes africanos, contando de forma bem detalhada a vida dos escravos desde serem pegos na África, quando conseguem sua carta de alforria e, por fim, voltando à África e se deparando com diversas diferenças culturais. No começo, a autora conta que achou cartas escritas por essa mulher e que foi assim que saiu esse livro, não sei se é real e isso deixou ainda mais pessoal e funciona muito bem para a história, torna a exposição de contexto histórico mais natural (o livro mescla experiências pessoais da Kehinde com fatos históricos da cultura afro-brasileira).
O livro é MUITO grande, por sinal, tem 952 páginas e não é uma leitura fácil porque o livro não esconde nada, detalha toda a crueldade da escravidão e dos brancos, tudo o que eles foram privados pelos brancos desde o começo, como eles viviam e os seus costumes, as suas crenças, as suas religiões e tudo o que eles tentavam e faziam para conseguir sair daquela realidade. E são fatos, histórias e pessoas que não são contados em livros de histórias, não são detalhados pelos professores e eu, como branco, foi minha primeira experiência tendo total conhecimento de como realmente era detalhadamente a escravidão e a cultura afro-brasileira que surgiu disso, porque podemos ver em filmes, em novelas, em livros na escola, mas não é a mesma coisa de ler esse livro, de ler um livro contando cada detalhe dessa história.
A protagonista é TUDO, ela é uma força da natureza, é valente, perseverante, inspiradora e uma pessoa que sofreu MUITO, passou por muitas coisas, mas sempre tentou passar por esses obstáculos, viver, ajudar outros pretos, tentar que o máximo de pessoas saíssem daquela vida.
Única coisa ruim do livro é que Kehinde é bem prolixa, chega em um momento do livro que é quando ela foge de São Salvador e a leitura deixa de ser fluida e começa a se tornar um pouco cansativa e esperando que algo acontecesse sabe? Não sei explicar, mas demorou um pouco para sair dessa parte. Enfim, o livro é incrível e inesquecível, você se envolve tanto com o livro, os personagens e por tudo que a Kehinde descreve que acaba sendo uma leitura que você precisa acabar o mais rápido para conhecê-la.
Ana Maria, você é uma lenda! Estou apaixonado por esse livro.
"Durante dois dias ela me falou sobre os voduns, os nomes que podia dizer, as histórias, a importância de cultuar e respeitar os nossos antepassados. Mas disse que eles, se não quisessem, se não tivessem quem os convidasse e colocasse casa para eles no estrangeiro, não iriam até lá. Então, mesmo que não fosse através dos voduns, disse para eu nunca me esquecer da nossa África, da nossa mãe, de Nanã, de Xangô, dos Ibêjis, de Oxum, do poder dos pássaros e das plantas, da obediência e respeito aos mais velhos, dos cultos e agradecimentos. A minha avó morreu poucas horas depois de terminar de dizer o que podia ser dito. virando comida de peixe junto com a Taiwo. Não sei dizer o que senti, se tristeza, se felicidade por continuar viva ou se medo. Mas a pior de todas as sensações, mesmo não sabendo direito o que significava, era a de ser um navio perdido no mar, e não de estar dentro de um."