spoiler visualizarMarina 28/02/2024
E a verdade é que eu não sou, Ed, é isso que eu queria dizer.
Eu não sou diferente. Eu não sou das artes como diz todo mundo que não me conhece, eu não pinto, eu não desenho, eu não toco nada, eu não canto. Eu não atuo, eu queria dizer tudo isso, eu não escrevo poemas. Não sei dançar exceto quando fico tontinha nas a festas. Eu não sou atlética, eu não sou gótica nem animadora de torcida, não sou tesoureira nem cocapitã. Não sou gay e não saí do armário, não sou o carinha do Sri Lanka, não sou trigêmea, nem filhinha de papai, nem bêbada, nem gênio, nem hippie, nem crente, nem 🤬 #$%!& , nem uma daquelas meninas superjudias na gangue do quipá que passa desejando feliz Sucot para todo mundo. Eu não sou nada, foi isso que percebi chorando com o Al e as minhas mãos soltando as pétalas, mas segurando isso com toda força. Eu gosto de filmes, todo mundo sabe que eu gosto ? eu amo ?, mas nunca vou ficar encarregada de um filme porque as minhas ideias são imbecis e eu sou ruim da cabeça. Não tem nada de diferente nisso, nada de fascinante, de interessante, que valha a pena conferir. O meu cabelo é ruim e os meus olhos são dã. O meu corpo é um nada. Sou gorda demais e a minha boca é de débil mental. As minhas roupas são uma comédia, as minhas piadas são forçadas e complicadas e ninguém mais ri. Eu falo que nem uma monga, não sei dizer a coisa certa para fazer as pessoas gostarem de mim, só fico babujando e cuspindo como um bebedor estragado. A minha mãe me odeia, eu não consigo agradar. O meu pai nunca me liga e aí liga na hora errada e manda ou presentes gigantes ou nada, e isso me deixa de cara com ele, e foi ele que me batizou de Minerva. Falo merda de todo mundo e depois fico amuada porque não me ligam, os meus amigos somem como se eu os tivesse jogado do avião, o meu ex-namorado acha que eu sou o Hitler quando me vê. Eu fico me coçando, eu suo por qualquer coisa, os meus braços, eu sou toda desastrada e derrubo tudo, as minhas médias e as minhas ênfases imbecis, mau hálito, as calças que ficam justas atrás, o meu pescoço longo demais, sei lá.
Eu sou sorrateira mas sempre me pegam, eu sou esnobe e finjo, eu concordo com quem mente, eu digo não sei que mais e me acho a esperta. As pessoas têm que ficar cuidando quando eu cozinho a para não queimar tudo. Não consigo correr quatro quarteirões nem dobrar um suéter. Eu beijo que nem uma imbecil, troco carícias que nem uma idiota, perdi a virgindade e nem fiz direito, concordei com tudo e fiquei triste e chateada depois, me agarrando a um cara que todo mundo sabia que era um canalha de merda de bosta, amando-o como se tivesse doze anos e aprendendo tudo na vida numa revista com um smiley na capa.
Eu amo que nem uma tola, uma comédia romântica barata classe Z, uma pirada que usa maquiagem demais dizendo coisas de um roteiro sem noção para um ator lindo que acabou de perder o sitcom. Eu não sou romântica, não sou miolo mole. Só os burros acham que eu sou inteligente. Eu não sou alguém que todo mundo devia conhecer. Eu sou uma lunática procurando restos, sou como qualquer imbecil fracassado de quem já desviei e fingi que não conhecia. Sou todos eles, todas as coisas feias numa fantasia feita de última hora. Eu não sou diferente, nem um pouco, diferente de nadinha nesse mundo. Eu sou um defeito defeituoso ambulante, uma ruína arruinada, um desastre, um fracasso tão grande que nem vejo mais o que já fui. Eu não sou nada, nadica. A única partícula que eu tinha, a única coisinha minúscula que me fazia levantar da cama, era eu ser a namorada do Ed Slaterton, amada por você por uns dez segundos, e quem se importa, e daí, e não sou mais, então, oh, que vergonha. Que idiotice pensar que eu era outra coisa, como achar que ficar sujo da grama te deixava lindo, como se ganhar beijos te transformasse em beijável, como se me sentir aquecida te transformasse em café, como se gostar de filme fizesse de você diretora de cinema. Que absurdo de incorreto pensar de outra forma, uma caixa de porcaria é um suvenir, um garoto sorrindo quer dizer alguma coisa, um momento de gentileza é uma vida melhorada. Não é, não era, é uma catástrofe pensar assim, uma criancinha rechonchuda na sala de estar sonhando a com bailarinas, uma menina na cama de olhos vidrados por Nunca à luz de velas, uma louca achando que é amada seguindo uma estranha pela rua. Não tem uma estrela de cinema passando por nós, agora eu sei, não a siga achando que é, não seja tão ridícula e errada nem sonhe com uma festa de aniversário de oitenta e nove anos para comemorar a ignorância burra. Já se foi.
Ela morreu há muito tempo, essa é a verdade do que me atacou no peito e na cabeça e nas mãos para sempre. Não existem estrelas na minha vida. Quando o Al me deixou em casa, exausta e desconsolada, e eu fui para o telhado da garagem e me dei conta de tudo de novo chorando sozinha, não tinha nem estrelas no céu.
O último dos fósforos foi a única luz, tudo que eu tinha, e depois aqueles, aquele que você me deu, seu canalha, aqueles que agora também estavam mortos e eram nada.