Rafael 13/06/2021
Escrevivência
Suportar, com nome de batismo vexatório, rejeição familiar, por não admitir seu pai que da ?rija semente? dele brote uma ?coisa menina?; confrontar mortalmente o homem cujas filhas pediam ajuda, "sem perceberem que ele era o próprio algoz"; ser sequestrada de sua família, quando criança, para atender aos caprichos de um casal branco abastado; lidar com o abandono do lar de companheiro que a estupra e que sente ciúmes do próprio filho recém-nascido. Esses e outros contos de mulheres negras que sobreviveram às violências que as acometeram, sobretudo as causadas por homens, estão reunidos em "Insubmissas Lágrimas de Mulheres", livro publicado em 2011 pela primeira vez.
Logo na página introdutória da obra, uma advertência: "...estas histórias não são totalmente minhas, mas quase me pertencem, na medida em que, às vezes, se (con)fundem com as minhas. Invento? Sim invento, sem o menor pudor. Então as histórias não são inventadas? Mesmo as reais, quando são contadas. [...] Entretanto, afirmo que, ao registrar estas histórias, continuo no premeditado ato de traçar uma escrevivência" (p. 7).
Por certo, a contribuição literária de Conceição Evaristo parte de onde estão fincados seus pés: da sua experiência enquanto mulher negra na sociedade brasileira, como integrante de uma coletividade subalternizada. Escreve Conceição a partir do que vive, portanto. Escrevivência. Sobre esse procedimento narrativo, a autora discorre mais a respeito em "O ponto de partida da escrita - Ocupação Conceição Evaristo (2017)", vídeo disponível no YouTube.
Com o gravador sempre a postos, parece-me que em diversos contos Conceição privilegia a História oral como método para apreender as formas como a pessoa efetuou e elaborou experiências e situações de aprendizado. É através da oralidade negra, e da memória que ela carrega, que os personagens podem acessar o passado, preservando saberes com potência e criatividade.