gleicepcouto 17/09/2012Quando a sensibilidade faz toda a diferençahttp://murmuriospessoais.com/?p=4294
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A Idade dos Milagres (Paralela) é o primeiro livro da norte-americana Karen Thompson Walker. A autora, que também é jornalista, recebeu nessa sua estreia literária elogios dos mais diversos meios de comunicação, desde Marie Claire a The New York Times.
Nesse livro, conhecemos Julia, uma menina tímida, de uma típica família americana. Um dia, num futuro não muito longe, vê no noticiário especial e urgente que a velocidade de rotação da Terra, gradativamente, diminui. Como consequência dessa mudança, os dias ficam mais longos, ou seja, duram mais que 24 horas. Isso reflete na vida da família de Julia, mas também em sua escola, em sua comunidade, até alcançar uma esfera global, com resultados segregacionistas. Há aqueles que preferem ignorar os fatos e as mudanças, até mesmo continuam a utilizar a noção de tempo que conhecemos, de 24horas/dia; e os que tentam se adaptar à mudança da melhor forma possível, aceitando o fato de que um dia possa ter 48 horas e até mais.
Não somente tendo que encarar essas mudanças físicas no mundo, Julia tem os próprios dramas para enfrentar, como o afastamento da melhor amiga, a passividade do pai, a neurose da mãe, o avô esquisito e o primeiro amor. Tentando manter sua vida normal em meio a um mundo caótico, Julia, aos poucos, aprende o quanto o ambiente externo pode dizer sobre ela e as pessoas ao seu redor.
Karen é uma contadora de história como poucas. A narrativa em primeira pessoa é fluída e surpreendentemente bem arquitetada. A impressão que tive ao ler o livro é que tinha em mãos um trabalho feito com esmero e responsabilidade, onde cada palavra foi escolhida cuidadosamente, cada sentença e expressão em seus devidos lugares.
Grande parte do êxito de Karen se deve à personagem principal. Julia é uma menina inteligente. Mais esperta que muitos adultos, mas sem perder seu lado garotinha. Sua sensibilidade é destaque e o modo como vê o mundo, único e inocente - mas sem ser alienado.
Outro ponto forte do livro é Karen ter tratado o assunto distopia de modo objetivo e próximo do que poderia ser real. É um mundo que, definitivamente, podemos nos ver nele de tão autêntico que é apresentado. Não há espaço para firulas, poderes especiais e nada do tipo. É uma ficção sim, mas que trata da natureza humana e sua capacidade (ou ausência dela) de se adaptar ao meio ambiente.
Os aspectos sociais e psicológicos abordados em A Idade dos Milagres são interessantíssimos. Percebemos como uma coisa "comum" como a contagem do dia em 24 horas, se modificada, pode originar uma mudança que nem todos estariam aptos a se adaptar. Questões sobre o efeito da luz e da escuridão nas pessoas chegam a ser inquietantes.
A aparente simplicidade da narrativa e trama pode passar uma impressão de "lugar-comum" para o leitor menos atento. Mas a verdade é que no texto de Karen está implícito uma sensibilidade e uma emoção que chegam a ser desconcertantes de tão belas.
Os personagens secundários do livro são tão humanos que me imaginei batendo na porta deles e pedindo uma xícara de açúcar emprestada. São presentes, bem caracterizados, imperfeitos, palpáveis. Eles passam por dramas genuínos, sem cair na armadilha da pieguice.
Sinceramente, não consigo pensar em nenhum ponto negativo na obra. Sério. Estou aqui pensando e pensando e pensando, mas nada vem em mente. Está tudo ali, gente: premissa extraordinária, narrativa harmônica, personagens encantadores e sensibilidade à flor da pele. A Idade dos Milagres chegou de fininho, sem fazer estardalhaço, e fez aquilo que os livros geniais devem fazer: emocionar.
Avaliação:
Autor(a): Karen Thompson Walker
Editora: Paralela
Ano: 2012
Páginas: 208
Valor: $25 a $35
Extra: Simplicidade emocionante.