Mônia 20/01/2022
Não é um clichê, mas está cheio deles
Conheci a história de Erin/Katie pelo filme, que é o meu preferido dentre as adaptações das obras do Nicholas Sparks. Por gostar tanto dos filmes, decidi dar uma chance para os livros e pensei: nada melhor que começar por esse! Ainda assim confesso que não coloquei muitas expectativas, afinal não é um gênero que me agrada tanto quanto outros. O caso é que o tombo não foi tão grande. Acho que as mudanças realizadas para o cinema combinaram melhor com a história do que a trama original e foi mais eficaz até mesmo em gerar empatia e identificação com os personagens.
Os protagonistas de Sparks estão longe de serem planos, não me entenda mal, mas existe uma frieza, quase um cientificismo, na forma de descrevê-los que não é capaz de me cativar... Ou talvez eu esteja além das possibilidades de ser cativada por descrições romantizadas de histórias de abusos contra mulheres. Ao folhear as páginas de Um Porto Seguro, nos deparamos mais uma vez com a história de amor em que a donzela busca um príncipe para matar seus dragões. Perdoem-me o exagero didático, mas em diversos momentos não só se torna previsível um "felizes para sempre", como fica claro que o autor só é capaz de reconhecer a mulher a partir de sua relação com um homem e inclusive enaltece homens que não fazem mais do que sua obrigação (não bater em uma mulher, por exemplo).
Meu incômodo foi ainda maior durante uma cena que supostamente seria romântica e sensual, porém acabou por me provocar náusea. O que acontece é uma atitude muito comum nos homens: uma mulher "diferente de todas as outras" é motivo de elogio. Isso por si só já é cruel, porque tudo aquilo que é feminino já é visto com maus olhos pela sociedade, e se você só é capaz de admirar uma mulher quando ela se mostra menos mulher, então você não é capaz de admirar ou respeitar uma mulher. Se além disso você utiliza o mérito de uma mulher que escapou de um relacionamento abusivo contra as outras que não conseguem escapar, você está isentando o agressor, dizendo que as outras têm alguma parcela de culpa sobre a violência que continuam sofrendo e ainda por cima está simplificando um problema que possui componentes psicológicos, sociais, culturais, históricos, financeiros, estruturais, espirituais...
Claro, trata-se apenas de uma literatura de entretenimento, nada muito pretensioso. É que com alguns assuntos não se pode mais ser conivente.