Millene.Grandemagne 03/02/2023
Citações
"Aparentemente, de vez em quando os adultos têm tempo de sentar e contemplar o desastre que é a vida deles. Então se lamentam sem compreender e, como moscas que sempre batem na mesma vidraça, se agitam, sofrem, definham, se deprimem e se interrogam sobre a engrenagem que os levou ali aonde não queriam ir. Os mais inteligentes até transformam isso numa religião [...]. O fato é que são como os outros, são crianças que não entendem o que lhes aconteceu e bancam os durões quando na verdade têm vontade de chorar. No entanto, é simples entender. O problema é que os filhos acreditam nos discursos dos adultos e, ao se tornar adultos, vingam-se enganando os próprios filhos. 'A vida tem um sentido que os adultos conhecem' é a mentira universal em que todo mundo é obrigado a acreditar. Quando, na idade adulta, compreende-se que é mentira, é tarde demais. O mistério permanece intacto, mas toda a energia disponível foi gasta há tempo em atividades estúpidas. Só resta anestesiar-se, do jeito que der, tentando ocultar o fato de que não se encontra nenhum sentido na própria vida e enganando os próprios filhos para tentar melhor se convencer. Entre as pessoas com quem minha família convive, todos seguiram o mesmo caminho: uma juventude tentando rentabilizar sua inteligência, espremer como um limão o filão dos estudos e garantir uma posição de elite, e depois uma vida inteira a se indagar com pavor por que essas esperanças desembocaram em uma vida tão inútil. As pessoas creem perseguir as estrelas e acabam como peixes-vermelhos num aquário".
"Acho que a lucidez torna o sucesso amargo, ao passo que a mediocridade espera sempre alguma coisa".
"Os homens vivem em um mundo em que são as palavras, e não os atos, que têm poder, em que a competência última é o domínio da linguagem. É terrível, porque na verdade somos uns primatas programados para comer, dormir, nos reproduzir, conquistar e tornar seguro o nosso território, e os mais dotados para isso, os mais animais entre todos nós, são sempre passados para trás pelos outros, por esses que falam bem, quando, na realidade, seriam incapazes de defender seu jardim, de trazer um coelho para o jantar ou de procriar corretamente. Os homens vivem num mundo em que são os fracos que dominam. É uma injúria terrível à nossas natureza animal, um gênero de perversão, de contradição profunda".
"A faculdade que temos de manipular a nós mesmos para que o pedestal de nossas crenças não vacile é um fenômeno fascinante".
"Mas, se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar o hoje, não é mesmo?"
"A sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes".
"Nada é mais desprezível que o desprezo dos ricos pelos desejos dos pobres".
"De que serve a inteligência senão para servir? [...] os privilégios criam verdadeiros deveres".
"Porque o que é bonito é o que captamos enquanto passa. É a configuração efêmera das coisas no momento em que vemos ao mesmo tempo a beleza e a morte. Estar vivo talvez seja isto: espreitar os instantes que morrem".
"A arte é a vida, mas num outro ritmo".
"A miséria é uma segadeira: ceifa em nós tudo o que temos de aptidão para o relacionamento com o outro e nos deixa vazios, lavados de sentimentos, para poder suportar toda a negrura do presente".
"Compreendi que eu sofria porque não podia fazer bem a ninguém ao meu redor. Compreendi que queria mal a papai, mamãe e sobretudo Colombe pq sou incapaz de lhes ser útil, pq não posso fazer nada por eles. Eles estão muito longe na doença, e eu sou muito fraca. Vejo direitinho os sintomas deles, mas não sou competente para curá-los e, com isso, também fico tão doente quanto eles mas não vejo".
"Qual é essa guerra que travamos, na evidência de nossa derrota? Manhã após manhã, já exaustos com todas essas batalhas que vêm, reconduzimos o pavor do cotidiano, esse corredor sem fim que, nas derradeiras horas, valerá como destino por ter sido tão longamente percorrido. Sim, meu anjo, eis o cotidiano: enfadonho, vazio e submerso em tristezas. As alamedas do inferso não são estranhas a isso; lá caímos um dia por termos ficado ali muito tempo. De um corredor às alamedas: então se dá a queda, sem choque nem surpresa. Cada dia reatamos com a tristeza do corredor e, passo após passo, executamos o caminho da nossa sombria danação".