Raquel 01/05/2022 “Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada”O velho Tuahir e o menino Muidinga andam pela estrada devastada pela guerra civil em Moçambique, sobreviventes, famintos, sem rumo e sem esperança. O menino foi salvo da morte pelo velho, mas sofreu amnésia e não se lembra de sua vida antes disso. O velho tenta criar uma nova vida pra o menino, lhe ensinando novamente tudo sobre o mundo. Eles encontram um ônibus destroçado, corpos carbonizados e um cadáver cravejado de balas próximo a uma mala. Dentro dela, um conjunto de diários do jovem Kindzu, que se tornarão companhia da dupla nas noites angustiantes ao redor do ônibus abandonado.
O livro alterna capítulos com a história de Tuahir e Muidinga e capitulos do diário de Kindzu, ambos misturando realidade com surrealismo. O autor fala das ruínas que a guerra deixou, dos escombros materiais e espirituais que ficaram pelo país e com os quais a população tem que lidar. Fala sobre como a guerra foi tão profunda que arruinou a relação do próprio povo moçambicano com suas tradições.
Para mim a história é sobre reviver a memória, reconstruir a história do país e romper o sonambulismo que se instalou depois de tantos anos de guerra (de Independência, entre 1964 e 1975, e Civil, entre 1977 e 1992).
“Antes fosse uma guerra a sério. Se assim fosse teria feito crescer o exército. Mas uma guerra-fantasma faz crescer um exército-fantasma, salteado, desnorteado, temido por todos e mandado por ninguém. E nós próprios, indiscriminadas vítimas, nos íamos convertendo em fantasmas.”
Achei fantástico o uso de palavras que acredito serem comuns no vocabulário do português falado em Moçambique (canção de nenecar, parecenças etc.), além das palavras criadas pelo autor (neologismos) que fazem todo sentido e dão um tom engraçado à história: tremedroso (com medo), larapilhar (roubar), marmulhar das ondas, sonhambulante, redemoníaca (se referindo à agua do rio), abismaravilhado, brincriação (brincadeira de faz de conta), miraginações (miragem+imaginação).
“Eu circulava por ali, divagante, devagaroso”
“Neguei, veementindo”
A velha assentava toda em ossos: magra, escãozelada”
Já tinha lido outro livro do autor, mas Terra Sonambula me agradou muito mais. Gosto do jeito que ele escreve, que as pessoas chamam de poético: fala de coisa tristes de uma forma bonita. Talves não agrade a todos, mas acho que vale a pena ler para conhecer autores de outros países que também escrevem em português, principalmente os africanos que falam também da influência e consequências da colonização portuguesa em seus países.