Cabelo 03/08/2010
Boca do Inferno: o barroco de Ana Miranda
dia do leitor
Uma curta passagem sobre a vida de um dos grandes poetas brasileiros: Gregório de Matos: desejos, princípios e contradições, no livro Boca do Inferno. A história passa-se em fins do século XVII e a autora Ana Miranda utilizou propriamente um português barroco para contextualizar a obra, além da narrativa em si. O homem barroco é um ser angustiado, divido entre santos católicos e deuses pagãos, entre matéria e espírito, o pecado e o perdão. Gregório de Matos, protagonista do livro, reflete esse dualismo, mostrando-se extravagante, rebuscado, valorizando o jogo de palavras e as figuras de linguagem. Como o livro demonstra, o escritor dedicou-se em demasia a uma vida libertina ao mesmo tempo em que trabalhou como desembargador da Sé, quando retornou ao Brasil após a vivência em Portugal.
Num clima de conflitos, contradições e antíteses, acentuados na Bahia devido à distância de um oceano dos poderes políticos efetivos da metrópole, impera a lei do mais forte. O romance histórico de Ana Miranda definiu de maneira muito próxima à realidade esta condição da colônia, através de uma história de crimes e vinganças, disputas de famílias e instituições e jogos de interesses. - Coisas que só acontecia naquela época!
A obra começa com o assassinato cruel do alcaide-mor Francisco de Teles de Menezes, em uma tocaia feita por Gonçalo Ravasco na qual Gregório de Matos participou. Os Vieiras Ravascos, Bernardo, seu filho Gonçalo e Antônio, o padre, representam a família incomodada pelo ódio e pelas injustiças praticadas pelos Teles de Menezes, dentre eles o governador, Antônio de Souza de Menezes, que fomentava um eterno repúdio ao Padre Antônio Vieira.
A narrativa acontece por volta de 1684 e o personagem principal, Gregório de Matos, em meio a muitas reflexões como Ora, por que Deus pouparia os filósofos ou os santos do sofrimento? São gente como nós. Não fazem eles seu cocô matinal? Cagar e sofrer foi criado para os poetas e os virtuosos. Os demais não merecem tal alívio () Mesmo Deus caga. E caga na nossa cabeça, muitas noites com prostitutas, escravas, filhas de família, desenrola-se o romance de modo lento porém fidedigno com a época.
A autora, Ana Miranda, nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1951, e hoje vive no Rio de Janeiro. Em seus dois primeiros livros, de poemas, ainda era uma escritora desconhecida. O sucesso aconteceu com o terceiro título: Boca do Inferno, com ótima vendagem - ficou 54 semanas na lista dos mais vendidos - foi traduzido para mais de vinte países. Além dele, A última quimera aborda a vida de outro dos melhores poetas brasileiros, Augusto dos Anjos, dessa vez possibilitando à autora uma reconstrução do final do século XIX e início do XX.
Ana Miranda é considerada a renovadora do romance histórico brasileiro na medida em que supri as lacunas e traços obscuros do passado com os elementos poéticos, psicológicos e dramáticos, que os documentos e arquivos não fornecem.
http://literaturacotidiana.com.br/?p=3291
Paulo Cabelo Laubé