spoiler visualizarThiago Barbosa Santos 10/04/2020
História e ficção
Ana Miranda é cearense e escreveu ao longo da carreira muitos livros sobre fatos históricos relevantes, sempre misturados com boa dose de ficção. Não é diferente de Boca do Inferno, romance histórico publicado em 1989 em que mescla personagens da vida real e inventados.
O poeta Gregório de Matos é o personagem central do livro. Boca do Inferno era o apelido que tinha por sempre escrever de forma crítica e com a pena carregada de muita ironia e crítica.
A história de passa na Bahia, no período colonial. Ana Miranda reconstitui um período bastante específico. O Brasil ainda era uma colônia portuguesa e o Rei de Portugal nomeava governadores para a colônia. No período, o da Bahia era o Antônio de Souza Menezes, conhecido também como Braço de Prata, porque literalmente tinha um braço de metal, pois o original fora decepado em uma batalha.
Durante o tempo em que esteve no poder, mostrou-se uma pessoa autoritária, de difícil trato e não muito preocupado com os colonos. Logo, acumulou desafetos, como a família Ravasco, do Padre Antônio Vieira, outro escritor consagrado que aparece no livro.
Quando houve o bárbaro assassinato do alcaide-mor Francisco Teles de Menezes, o governador viu a grande oportunidade de vingar-se dos desafetos, cometendo inclusive muitas arbitrariedades durante as investigações.
Bernardo Ravasco, com o apoio do irmão Padre Antônio Vieira, outros membros da família, Gregório de Matos e outros amigos montaram uma grande conspiração para tirar o governador do poder. Tudo se passa no ano de 1683.
O alcaide-mor foi assassinado mesmo pelo grupo dos Ravasco. O autor do crime foi o Antônio de Brito, que cortou a mão da vítima, uma espécie de afronta ao governador.
Deram a mão para uma moça chamada Maria Berco, que trabalhava para os Ravasco como dama de companhia de uma senhora da família. Evidentemente, a mão estava embrulhada em um pacote e ela não sabia do que se tratava.
Ela teria que levar essa mão para o Bernardo. Era uma longa viagem para chegar no local em que ele estava. Durante o caminho, a mão começou a feder. Ao abrir o pacote, levou um grande susto. Em um dos dedos, havia um anel aparentemente valioso. Maria Berco jogou a mão fora e ficou com essa joia, vendendo-a.
O enredo se constrói na luta do governador para descobrir e se vingar dos conspiradores. Existe todo um clima de tensões e abusos nessa queda de braço entre o governador e os Ravasco. Maria Berco e Bernardo acabam sendo presos. No fim, há um julgamento e ambos são inocentados. O Gonçalo Ravasco consegue ir a Portugal e denúncia ao Rei todos os desmandos do governador. Então, ele é deposto do cargo.
Gregório de Matos levava uma vida boêmia. Chegou a ter um envolvimento com Maria Berco, mas depois ela foi morar em Portugal. Ele se casou e, tempos depois, continuou tendo sua vida desregrada.
A forma como Ana Miranda reconstitui este período histórico é muito interessante.