Lara.Dias 17/02/2018
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado...
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante...
Cantou Caetano em 1970, ecoando a voz de Gregorio de Matos ao retornar a bahia como desembargador por volta de 1680. Hoje continuamos a cantar esse poema, Salvador agora macrocéfala, cada vez mais segregada, ainda suja, pobre, violenta...
É na cidade de Salvador que se passa a história, a então capital da colonia portuguesa, sede do governo-geral. O tema central do livro é um crime e sua relação com a rivalidade entre as familias Ravasco e Menezes. A autora descreve a cidade, sua sujeira, pobreza, geografia; os costumes, a hipocrisia, o poder, a corrupção; as intrigas politicas da administração colonial, e tipos incriveis que sao ainda mais incriveis por terem sido reais: um governador - braço de prata - que teve o braço amputado na guerra contra os holandeses em Pernambuco; os dois grandes nomes do barroco brasileiro, o Gregorio de Matos amigo dos Ravascos, e o Antonio Vieira irmão de Bernardo Ravasco. Tem partes muito cômicas nesse livro:
"—Quebraram a língua do Brito, ele disse tudo. O Blasfemo deu uma gargalhada. —Morte ao lambe-cu, ha ha ha, outra gargalhada.
—Anda, fala direito, desgraçado, antes que eu te faça cagar até morreres—, disse Luiz Bonicho.
—Sabem de tudo—, disse o Blasfemo. —O nome dos embuçados. Sete vergas do caralho do demônio, sete chicotes. —"
Achei o Antonio Vieira a pesonagem historica mais interessante: jesuita, defendia que os indios possuiam alma e que nao deviam ser escravizados, foi expluso do Maranhão por isso, tinha relações com judeus em plena inquisição católica, foi exilado pela igreja, atuou como diplomata a serviço da coroa, se tornou sebastianista, e escreveu um historia do futuro na qual previa que existiria um imperio portugues, depois um imperio britanico, e um imperio chines, enfim, daria um bom livro só com a historia dele.
Minha primeira leitura de Ana Miranda, e fiquei encantada com a pesquisa historiográfica que ela realizou. Boca do Inferno é um excelente romance historico, ainda mais para quem conhece a cidade de Salvador e um pouco da historia da Bahia. Fui transportada ao seculo XVII e fiquei imaginado a praça da sé com o antigo convento dos jesuitas, o terreiro de jesus, a ladeira da preguiça, o dique do tororó...