spoiler visualizarAntonio Curi 22/02/2014
Manifesto pela metade
Nesse segundo trabalho de Lobão somos colocados diante de uma metralhadora preparada para cuspir chumbo. E postados contra a parede aguardamos bovinamente, segundo jargão do próprio autor, o fuzilamento eminente. E ele vem.
Literalmente não são poupados esforços em atirar em todas as direções possíveis, o que acaba por vezes resultando em uma estratégia infeliz. Por aumentar muito o espectro das críticas e situações, e ao mesmo tempo não se aprofundando em muitas delas, algumas soam gratuitas e simplistas. E tempo e espaço para esse aprofundamento não faltam já que a própria identidade visual do projeto parece simplista. Se na sua biografia teci elogios à coerência da escolha da capa, bem como à decisão de entrecortar os capítulos com matérias jornalísticas (buscando relativo grau de imparcialidade), aqui percebesse claramente a preguiça da concepção. A capa não transmite nada, a fonte é grande, o espaçamento generoso, deixando transparecer a necessidade de se atingir as 200 páginas e justificar, assim, o preço da obra. Definitivamente esse espaço poderia ser melhor utilizado.
Seguindo na mesma análise, percebe-se que o meio do livro é desinteressante, e o capítulo " Viagem ao Coração do Brasil" é completamente dispensável. Por se concentrar em situações vividas pelo autor, nessa parte do livro perde-se o tom de manifesto alardeado no título, o que deixa a obra apenas com extremidades (início e fim) interessantes. Adotando essa estrutura, a impressão é a de tentar maquiar o meio e passar uma sensação de linearidade que não existe. E por possuir passagens já relatadas no seu primeiro livro, acaba por acontecer uma auto canibalização já que, caso o leitor opte por ler a biografia depois, algumas situações soarão repetitivas.
Contando com a característica verborragia pela qual é conhecido, Lobão tem momentos inspirados, como o qual critica severamente a UNE, fazendo percorrer no imaginário recente acontecimentos marcantes do cenário político e cultural do país onde a instituição simplesmente se omitiu. Resvala na interferência exercida pelas rádios na produção dos discos de rock, alegando gerar um resultado pasteurizado e de baixa qualidade. Pinta a MPB como um movimento símbolo da ideologia cultural do brasileiro médio, cidadão esse carente de aceitação intelectual e manipulado por um movimento "de esquerda". E vale ressaltar que o cunho político perpassa toda a obra, inclusive apresentando suas relações junto a partidos políticos.
Dono de uma inteligência particular, são apresentadas aqui diversas linhas de argumentação que merecem ser lidas com atenção. Em alguns momentos, porém, são percebidas dicotomias claras. Ora o autor afirma que repudia qualquer tipo de violência, referindo-se a grupos guerrilheiros presentes no Brasil na década de 1960, para mais a frente repreender a prisão de manifestantes por "simplesmente" vandalizar cabines de pedágio. E cabe registrar que a carta aberta a Oswald de Andrade é particularmente interessante, tornando-se o ponto alto da narrativa.
Oferecendo uma visão própria da atual situação cultural e social do povo brasileiro, analisando inclusive ao colonialismo nacional para tanto, trata-se de uma obra digna de nota.