brunadaguarda 29/06/2023
Grande experiência
Maria de Jesus. Antônio da Silva (Toninho). Antônio Gomes. Sueli Aparecida Rezende. Sônia Maria da Costa. Conceição Machado. Terezinha. Celita Maria da Conceição. Elza Maria do Carmo. João Adão. Roberto. Silvio Savat. José Machado (Machadinho). Maria Cláudia Geijo. Cibele Aquino. Wellington Albino. Wanda Lúcia. Nina. Lu. Antônio Martins Ramos (Tonho). Luiz Pereira de Melo. Adelino Ferreira Rodrigues. Nilta Pires Chaves. Geralda Siqueira Santiago Pereira. Tânia. Flor de Liz. Izabel Teixeira de Magalhães. Todos esses nomes são de alguns dos sobreviventes da tragédia do Hospital Colônia de Barbacena. A história que não deve ser esquecida.
"O que acontece no Colônia é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. É permitido andar nu e comer bosta, mas é proibido o protesto qualquer que seja a sua forma." (Ronaldo Simões Coelho, psiquiatra que também denunciou o Colônia)
O Hospital Colônia, localizado em Barbacena, Minas Gerais, era o destino de alcoólatras, mendigos, negros, pobres, homossexuais, mães solteiras, garotas grávidas/violentadas, pessoas sem documentos e os "loucos" indesejados. Estima-se que 70% dos atendidos não sofriam de doença mental, e mesmo assim eram mandados para o hospital, sem nenhuma explicação válida. Após cinco décadas calcula-se que sessenta mil pessoas perderam a vida no local. A palavra "holocausto" pode parecer pesada, mas ao conhecer a história você enxerga que o uso foi adequado. As pessoas eram enfiadas no "trem de doido", obrigadas a ir, tinham suas cabeças raspadas, as roupas arrancadas, as vidas roubadas.
Na época em que o livro "Holocausto Brasileiro" foi escrito (2013), o número de sobreviventes era apenas 200. Todos os sobreviventes ganharam uma nova vida, porém ainda assim tiveram que lidar com os traumas adquiridos, por terem suas vidas totalmente impactadas e transformadas pelo holocausto. Isso sem contar com as pessoas que foram afetadas por essas histórias, como as mães que perderam os filhos ao serem mandados para o hospital, os filhos dos internos que não tiveram a chance de conhecer os pais, os parentes que esperaram eternamente, e tantas outras histórias entrelaçadas.
Após 10 anos do lançamento desse livro eu tenho o contato com essa história pela primeira vez. E devo dizer que ela me transformou e super contribuiu para a minha formação, ainda em andamento, de jornalista. Acredito que todos os estudantes de jornalismo deveriam ler esse livro para serem mais humanistas e saberem como passar isso para as pessoas, pois como Eliane Brum citou no Prefácio da obra: "O repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o que era silêncio. Faz memória". Também acredito que todos os estudantes de psicologia e medicina deveriam ler esse livro para aprender a como não tratar um paciente, e passar a enxergar os pequenos gestos de humanidade e afeto.
"Desde o início do século XX, a falta de critério médico para internações era rotina no lugar onde se padronizava tudo, inclusive diagnósticos." (Daniela Arbex, cap. I)
Uma das coisas mais angustiantes da história são as pessoas que tentaram fazer algo para salvar os internos, como alguns funcionários, jornalistas e contribuintes que se esforçaram para que alguma solução fosse tomada, mas não obtiveram sucesso. A sensação de impotência é grande para quem lê a história e era ainda maior para quem vivia aquilo. Mas não digo que todas as ações foram inúteis, porque cada detalhe já ajudava alcançar o caminho da liberdade, porém em uma situação tão grande de sofrimento a gente só quer que acabe logo. Lá eles viviam em uma situação desumana, dormiam em capim seco ? que era utilizado no lugar de colchões ?, bebiam água de esgoto ou a própria urina, comiam algo semelhante à lavagem de porcos, vestiam trapos ou andavam nus, lutavam contra o frio, tentavam sobreviver, eram claramente largados lá para morrer.
Foi tocante ver como ficou a vida de alguns sobreviventes do holocaustos. Bom saber que alguns foram acolhidos com amor, o que ajudava na tentativa de superar o passado. E teve a história de Débora e Sueli, a que mais me marcou e me fez chorar. Saber que mãe e filha já estiveram tão perto sem ter conhecimento do parentesco, foi devastador. Saber que elas não conseguiram ter um momento de mãe e filha de verdade, foi triste, mas que bom que se conheceram mesmo sem saber quem eram. Outra parte que me chocou bastante foi a venda dos cadáveres, e segundo informações externas, até hoje existem alguns na UFMG e na UFJF, isso me choca.
Enfim, acredito que esse livro da Daniela Aberx é pesado, mas necessário. Como disse anteriormente recomendo a leitura para estudantes de jornalismo, psicologia e medicina. Mas não só esse público, qualquer pessoa que vá trabalhar e lidar com seres humanos deveria ler. E que essa história não seja esquecida.
"Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado de barbárie." (Daniela Arbex, cap. XIV)