gabriel 14/06/2021
Arrastado e um pouco sem sentido, mas com qualidades
Eu não posso dizer que odiei totalmente este livro, ele tem bons momentos e trechos muito bem escritos. Mas o tema central dele é mal desenvolvido, aparece de maneira abrupta lá pelo meio do livro e não vai para lugar algum. No fundo, é apenas uma grande enrolação debaixo de uma história bem magra (mas uma enrolação "boa", em alguns momentos).
Lá pelo meio eu estava até gostando, pois a escrita de King é bastante sedutora. Ele tem, por hábito, comparar coisas e fatos banais com outras coisas... não tão banais, criando imagens surpreendentes. Isso agrada e cativa a leitura. Uma árvore, por exemplo, não é uma árvore, mas "sombras que formam um desconhecido alfabeto". Uma pessoa de cara cansada é "tão cansada como um copo de água em restaurante velho" (seja lá o que isso significa).
São recursos interessantes, mas que são usados com exagero e atravancam a leitura. Tudo é uma outra coisa, o tempo todo, e a coisa não avança. A leitura se torna como nadar por um líquido espesso, você sempre tem que ir "vencendo" toda essa enrolação que ele coloca (que é até interessante e cria trechos bonitos, mas torna o ritmo muito lento).
O vilão principal aparece absolutamente do nada, ele nem sequer faz parte da trama e é muito mal introduzido. Não dá pra entender direito suas motivações, ainda que isso não importe muito, pois a bizarrice de tudo parece se auto-justificar. O livro não se leva muito a sério (o que não é necessariamente ruim), mas é cansativo. Se é pra chutar o balde, seria melhor ter chutado tudo direto.
O casalzinho da trama é bem fraquinho, o romance nunca decola e nunca cativa. A mocinha tem como papel exibir suas pernas em minissaias e shorts curtos, o que é retratado em diversos momentos pelo livro (aparentemente, King estava com a libido alta neste livro). Eu não tenho nada contra isso (pelo contrário), mas ficou uma coisa meio aleatória e gratuita. O que, na verdade, até que dá um ar divertido pra coisa, e não é totalmente ruim.
O livro tem uma certa qualidade "trash" bem pronunciada, parece um filme lado B dublado no melhor estilo "sessão da tarde". Há um ar de cafajestagem anos 70 bem interessante, com esta época (na qual o livro foi escrito inclusive) sendo retratada em bastante detalhes. A escrita é, no geral, bem detalhista ao também retratar a cidade (é tão detalhada que só faltou ele dar um mapa dela ao longo do livro).
Fiquei pensando em qual nota dar, até ia arriscar umas quatro estrelas, mas no último quarto final a coisa ficou muito arrastada, a trama não parecia fazer muito sentido (chega uma hora em que eles só começam a andar por aí aleatoriamente), os personagens não são muito cativantes e os mistérios não estavam dando curiosidade ou chamando a atenção. A leitura, ainda que ocasionalmente agradável, virou uma tarefa. Então baixei uma estrela.
Não é um livro totalmente ruim, fiquei até satisfeito de ler, é uma leitura divertida e tem bons momentos. Destaco quando ele descreve as estações do ano em Jerusalem's Lot (trecho bem rico e detalhado) e também quando ele faz um "sobrevoo" pela cidade, mostrando o cotidiano dela sob a ótica de vários personagens. São bons momentos do livro, que dão uma certa empolgação.
O livro tem muitos, muitos personagens, talvez seja um dos livros com mais personagens que eu li recentemente. Incrivelmente, eles não ficam assim tão confusos, em alguns momentos você se pergunta quem é um e outro, mas no geral você até consegue acompanhar, o que é algo extremamente habilidoso de se fazer. O problema é que quase todos eles são muito pouco interessantes, ainda que sejam bem detalhados e factíveis (parecem mesmo pessoas que o autor conheceu, e que elas existem de fato).
Outro aspecto positivo que eu achei foi quando as cenas caminham para o sobrenatural. São cenas impactantes, cheia de luzes, toda espalhafatosas, misturando religiosidade com um certo ar "trash". São visualmente muito boas e quase sempre bem escritas. As cruzes, por exemplo, brilham, assim como as mãos ungidas pela água benta. Gostei desses momentos.
O final, que eu vi que muita gente reclama, eu achei até que bom, fechou a trama de maneira elegante e sombria. O pior mesmo foi a grande enrolação do autor, eu sinto que este livro poderia ser muito melhor se ele enxugasse um pouco, tirasse os parágrafos inúteis (e alguns mal escritos), e tornasse a narrativa mais dinâmica. Ficou com um ritmo muito lento.
Um livro ok, tem momentos divertidos, passagens bem escritas, mas com uma história magra, personagens meio aleatórios, romance principal desnecessário e o autor se auto-congratulando o tempo todo por conta de sua "habilidade literária" (sic). Que ele até tem, mas poderia ter se segurando um pouco em alguns momentos. Poderia ser bem melhor.