Thais645 07/11/2023
Transformações
Não lembro de ter lido um livro tão perturbador desde "A Cachorra", de Pilar Quintana.
Neste romance também curtinho (176 páginas), da escritora sul-coreana Hang Kang, somos introduzidos à vida de Yeonghye, narrada em três atos por três personagens que fazem parte de seu núcleo familiar.
Não sei se por conta da tradução, mas a narrativa é de uma placitude surpreendente - mesmo ao abordar alguns aspectos dos mais estrambóticos aos aterradores e em momentos de maior tensão; muito me lembrou a escrita de Marguerite Duras, em "O Amante".
Um dia Yeonghye acorda de um de seus pesadelos perturbadores e sangrentos e decide não consumir nem servir mais nada que tivesse a ver com carne (nem à sua mesa nem dieta). Decide tornar-se então vegetariana.
Mas quem espera que o livro trate sobre sobre essa questão em específico (do vegetarianismo), irá se frustrar. A decisão de tornar-se vegetariana não é a causa para Yeonghye, mas sim a consequência.
O mundo de Yeonghye sofre uma transformação avassaladora, atingindo a todos que a cercam, de modo incisivo. E conforme vamos acompanhando a "libertação" da nossa protagonista ao longo da narrativa, começamos a questionar até onde a sanidade mental de uma pessoal está intrinsecamente ligada às decisões e consequências que ela toma para si como ato de libertação. E de como as pessoas que nos cercam podem reagir do modo mais inesperado, egoísta e inuscrupuloso diante de nossas escolhas pessoais, das mais banais às transformadoras.
Yeonghye, em determinando momento, define seu desejo supremo e irrevogável de se tornar uma árvore, e mais: de um modo que isso não nos apareça um completo absurdo!
Um livro que se destaca pela escrita, pela história e pelas personagens. Coisa bem difícil de se conseguir de uma só tacada para um escritor, mas não para Hang Kang, pelo visto.