Pietra Galutty 01/11/2023
Prelúdios intensos para os desmemoriados do amor
Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974) introduz uma nova fase de H. Hilst, sendo o primeiro livro dedicado à poesia, após sua estreia na ficção, que marcaria o estilo literário da autora. A obra poética de Hilst iniciou com Presságio (1950), mas não erro em dizer que encontra um de seus maiores expoentes aqui em "júbilo", que viria a ser uma de suas obras mais aclamadas ao longo do tempo.
Aqui, eu já sou apaixonada pela epígrafe escolhida por H. Hilst para anunciar os seus "dez chamamentos ao amigo":
love, love, my season
- sylvia plath
A entrega amorosa, a devoção com toques místicos, o anseio pelo encontro, o temor da morte. Todos os sentimentos, até mesmo os mais impuros, estão aqui.
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo (...)
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
(I, dez chamamentos ao amigo, p. 17)
É essa fome de ti, esse amor infinito
Palavra que se faz lava na garganta.
(XIII, o poeta inventa a viagem, retorno e sofre de saudade, p. 43)
A entrega amorosa é presente, ainda quando o amor dá os primeiros sinais de transitoriedade.
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que nosso tempo é agora. (...)
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiada intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.
(II, dez chamamentos ao amigo, p. 18)
Em lívido silêncio. Umas manhãs de vidro
Vento, a alma esvaziada, um sol que não vejo
Também isso te devo.
(VII, o poeta inventa a viagem, retorno e sofre de saudade, p. 37).
As dúvidas femininas diante de um grande sentimento, as urgências da mulher que ama, é também tema da obra de Hilst.
Eu te pareço louca
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?
(VI, dez chamamentos ao amigo, p. 22/23)
Disseram-se os amigos que Saturno
Se refaz esse ano
(VII, dez chamamentos ao amigo, p. 24)
A obra conta com uma dialética entre ausência e desejo, o amor elevado às últimas potências. H. Hilst sente o amor como quem sente um músculo sangrando — não entendo a tua ausência, apenas sinto pulsando.
Meu medo, meu terror, será maior
Se eu mesma me disser:
Preparo-me em silêncio. Em desamor.
E hoje mesmo começo a envelhecer.
(II, o poeta inventa a viagem, retorno e sofre de saudade, p. 32).