Marcos Ogre 24/07/2014
O melhor livro que li no ano (pelo menos, até agora)
Adoro quando um livro consegue alcançar minhas expectativas e fazer morada nesse mesmo ponto. Confesso que ainda não superei o fim de Minha metade silenciosa, ainda estou devaneando mais e mais, com a danada da minha razão me lembrando que isso não passa de um sonho. Que triste. Mas a vida segue, e, agora que Minha metade silenciosa (lágrimas) me tirou do limbo da não-leitura, muuuuitos livros estão por aí à espera. Ok, vamos então ao que achei.
Se você ouviu por aí que trata-se de um livro poético, isso é totalmente verdade. Poeticamente perturbador, mas as melhores poesias são assim, não é? Minha metade silenciosa não é um simples drama adolescente, longe disso: é uma perturbadora história, repleta de personagens realistas e surpreendentes em suas tão abrangentes complexidades. É aquele tipo de livro onde você nunca encontrará alguém, digamos, 100% formado em seu próprio ser, o que é bem real. Todos estão propensos a mudanças drásticas e suas vidas nunca estão plenamente seguras. Na verdade, ninguém está seguro em si mesmo neste maravilhoso livro.
Ambientado basicamente em Washington e na Califórnia, o livro é um misto de atmosferas, e é bem interessante como isso se faz presente nessa troca de lugares. É como se não fossem apenas dois estados, e sim dois mundos, e isso se percebe muito bem aos olhos de Palito (Stick, no original), o improvável herói desta história (e, caso você leu o livro e me contradiga dizendo que é o Bosten, não, não é).
Por falar no protagonista, ele é - para mim - o tipo de personagem ideal. Não é um adolescente extrovertido e irônico, que tira sarro da própria situação que poderia te fazer se apegar com o tal carisma, mas também não é depressivo e reclamão ao ponto de você sentir aqueeela ânsia de vomito com os seus pensamentos (já que o livro é narrado em primeira pessoa). Ele é simplesmente um menino de 13 anos (embora na sinopse do livro diga que é 14, não, ele começa com 13, aliás, não leia aquela sinopse, está horrível), com seus conflitos e descobertas, numa época não especificada onde claramente existe uma certa falta de informação e de compreensão para os da sua idade.
E, pra piorar tudo, lembra que ele só tem uma orelha?
Isso poderia facilmente desenvolver um ótimo livro sobre bullying, mas o mais impressionante é que não é disso que se trata, basicamente. Claro, o abuso por parte de colegas e outras pessoas aleatórias é, sim, uma coisa presente no dia a dia de Palito, mas... Ah, é complicado expressar. É aquela antiga história: nunca existe só um mal na vida das pessoas. Isso não torna o tema algo negligenciado, não. Palito é uma pessoa mais fechada, que está sempre em procura de se esconder pela vergonha e pelo medo daqueles comuns olhares que está tristemente acostumado a receber. Entretanto, ele não está totalmente desprotegido.
"Eu sou feio."
Apesar de não ser o herói da história, o melhor personagem com certeza é Bosten, o irmão mais velho. 16 anos e uma coragem impressionante, sem falar do belíssimo senso de proteção que ele cultiva pelo irmão. Sem discussões, não tenho a menor dúvida de que o ponto alto deste livro é a relação entre os irmãos. Adoro isso. Família. A demonstração de que o verdadeiro amor é muito mais do que simplesmente uma paixão, ou calor humano. Palito vê em Bosten sua sentinela, sua válvula de escape de todo aquele sofrimento com que ele está forçado a se deparar. Mas Bosten também tem os seus graves dilemas.
Outra personagem bem interessante na trama é Emily, a melhor amiga de Palito. Assim como ele (mesmo que não fisicamente) ela é diferente e meio desconjuntada em relação ao ambiente escolar, o que faz com que ambos se sintam ainda mais próximos. Suas cenas juntos são quase que adultas, de tanta profundidade que passam, e o que se desenvolve é uma linda história de amizade e força, com muita reciprocidade de sentimentos.
Por último, gostaria de destacar Tia Dahlia. Não vou falar muito sobre ela, porque adorei a maneira como rapidamente foi desenvolvida e introduzida na história, mas vale avisar que as cenas com ela são de chorar. Embora eu não tenha chorado com o livro.
Adorei o estilo de escrita de Andrew. Não há nada que você possa chamar de refinado, mas também não é totalmente informal. Afinal, é um livro em primeira pessoa. Me agradou demasiadamente ver que ele, sim, um homem já mais velho conseguiu me atingir num trabalho convincente, em que eu realmente pude ser levado a acreditar que estava de fato na cabeça de um jovem de 13/14 anos. Diferentemente do que Harlan Coben mostrou com refúgio (não estou comparando os dois livros em si, apenas a narração em primeira pessoa de um adolescente), não há nada de exagerado e nem muito forçado. Você simplesmente crê que está lendo a respeito de um adolescente, e não é preciso que ele te lembre disso toda hora.
O autor também usa e abusa de temas fortes, sem ter medo de crueza. Andrew Smith não poupa o leitor de cenas fortes e, muitas vezes grotescas, então se você é do tipo que está esperando apenas mais um livrinho YA com um menino triste por ter uma deficiência, sinto dizer, mas você está enganado. Minha metade silenciosa é realista e belo, é poético. É o tipo de livro que te emociona e te choca, mais do que um mero sentimentalismo, onde o pouco é o suficiente. Sou um fã de carteirinha declarado, rs.
Um artifício interessante da parte da edição (imagino que também seja assim no original) é que, em certos diálogos, há diferentes espaçamentos no meio das frases. Isso acontece pra nos ajudar a tentar perceber o mundo da mesma maneira que Palito o percebe, como algumas palavras que deviam entrar pela orelha que falta acaba entrando pela outra. Isso funciona muito bem, e, para mim, não incomodou de maneira alguma. Além disso, o livro também não tem a orelha direita, o que é uma característica proposital e fantástica, levando em conta a deficiência do protagonista e aproximando mais ainda o material da história.
O final é satisfatório e me agradou bastante, entretanto acho que pode dividir algumas opiniões. Não que o autor não resolva tudo... Digamos apenas que ele deixa certas pontas soltas. Mas, na minha opinião humilde, gosto muito de quando certos aspectos são deixados em aberto e penso que isso combina com o conceito do livro: a vida real não é fácil e nem vai te dar moleza e, sim, vão haver perdas em todos os sentidos, afastamentos e outros empecilhos inevitáveis. Ninguém pode mudar tudo, ou trazer tudo ao seu favor.
É complicado saber o quanto devo falar deste livro, já que gostei demais. Tudo muito bem, edição ótima, história completa. É o livro que me tirou do fosso.
Espero que tenham tirado proveito e perdão pela demora pra atualizar... Sabe como é, romances da vida real não são fáceis.
Essa é minha deixa, abraços!
CONFIRAM O BLOG! :D
site: http://pensadoremserie.blogspot.com.br/