Lorena Morais 24/08/2010
Metaforizando Calvino
No ano de 1923 nasceu em Santiago de Las Vegas, Cuba, um dos maiores escri-tores da literatura contemporânea do século XX. Italo Calvino, filho de cientistas italianos, acabou nascendo na América Latina devido às constantes viagens realizadas pelos seus pais, porém passou toda a sua vida na Itália. Tendo escolhido percorrer outros caminhos matriculando-se na escola de Agronomia, o desenrolar da II Guerra Mundial acabou levando Calvino a desistir do curso e participar da resistência ao fascismo.
Decidido pelo curso de Literatura, após a guerra o escritor inicia seu fascínio literário em 1947, escrevendo sua primeira obra intitulada Sentiero dei Nidi di Ragno (O Caminho para os Ninhos de Aranha), que é inspirada em sua participação na Resitência. Mas foi a partir dos anos 50 que Calvino passou a escrever obras que o tornariam famoso internacionalmente. Dentre elas está Le città invisibili, livro de 1972 - o qual me refiro nessa resenha - traduzido para o português As cidade invisíveis, por Diogo Mainardi.
Que faria Kublai Khan – rei de um grandioso império tártaro – para conhecer os territórios do seu reino? Ele se daria ao luxo de deixar seu belíssimo e confortável trono do palácio de Kemenfu para conhecer cidades tão distantes? Enfrentaria tempestades, subiria morros, atravessaria rios?
Aí é que entra Marco Polo – o famoso viajante veneziano saiu das histórias da vida real para navegar no universo ficcional de Italo Calvino. Polo é um dos enviados encarregados de visitar as cidades do reino e descreve-las em suas missões diplomáticas. As cidades invisíveis, relatadas através de toda uma simbologia do diálogo sem palavras, porém baseados em gestos que o grande Khan consegue compreender.
A história vai muito mais além do que descrições geográficas. Ela proporciona a quem lê uma visão mais apurada e complexa das relações entre os seres humanos. Marcos expõe as cidades de uma maneira que não nos faz imaginar como são feitas e sim de como nos sentirmos perante cada descrição.
O livro é composto por nove capítulos que narram os caminhos do viajante pelas cidades. Sem seguir uma trajetória linear, o leitor pode viajar pelas entrelinhas de qualquer capítulo sem se fazer necessário prender-se a uma ordem cronológica. Cada cidade possui um título relacionado à temática apresentada; como A cidade e a memória, referente à espetacular Diomira, que nos faz rememorar momentos felizes; As cidades e os mortos, da Argia que vive debaixo da terra ou As cidades e o céu contemplado ao fim do dia, na cidade de Tecla. Tantas outras cidades que nos faz viajar pelo reino das palavras.
Com uma linguagem bastante rebuscada, Calvino desafia o leitor através de suas metáforas surpreendentes. À medida que o mesmo vai adquirindo maturidade pode-se abarcar com mais facilidade na invisibilidade sensitiva do autor.
A leitura pode não agradar devido à linguagem utilizada pelo autor, contudo não se torna cansativa, por ser dividida em capítulos compostos de pequenos relatos.
Há um fato curioso que muitas vezes foge a nossa percepção: todos os nomes das cidades são nomes femininos. Que diria isso, então? Pode-se afirmar que Calvino quis relacioná-las às antigas cidades que também possuíam nomes de mulheres, de deusas. Como a cidade de Atenas - da Grécia antiga -, relacionada a Atena, deusa da sabedoria e das artes. A figura feminina soa como protetora das cidades, como ocorre na maior parte das cidades católicas, devotas de padroeiras. Esta seria mais uma das metáforas elaboradas pelo escritor, que, no entanto, deixou a critério da imaginação de quem penetra na narrativa.
Possa ser que dentro de cada cidade visível – de asfalto e concreto – exista uma cidade invisível repleta de significações. Nos diálogos entre os habitantes, na árvore da esquina, na criança abandonada, na localização do banco da praça, no cachorro deitado a uma sombra qualquer. Cidades invisíveis que nos ensina não a aproveitar suas maravilhas, mas a encontrar respostas dadas às nossas perguntas.
Por Lorena Morais