Jhon 07/03/2022
a bela escrita do que se faz incapturável
Nesse começo de ano as cidades tão com tudo kkkkk. Coincidentemente enquanto lia Rua de mão única me deparei com As Cidades Invisíveis. De cara, confesso que subestimei Ítalo Calvino. Não achei que a leitura seria grande coisa e quebrei a cara, pois me encontrei com um livro incrível de lindo. A riqueza de temas que ele traz em tão curtos trechos é algo que não consigo entender. Achei que talvez fosse ficar superficial e corrido pelo formato fragmentado, mas o modo como ele escreve é tão bom que o que fica são justamente os pequenos detalhes. Dentre tantas cidades ali descritas em breves palavras, imagino que o que pega cada um é um detalhe diferente. E cada um destes importa. Cada pequena descrição dá corpo (problematizando) o que seria a meu ver a questão central da obra: como estamos vivemos; e o que a cidade tem a ver com isso?
Enquanto me aventurava no livro, essa pergunta voltava a mim. Afinal, como descrever uma cidade? Falar dela não é falar de nós e vice-versa? E mais: é possível falar dela em sua totalidade? Abarcando a vida que ali transborda? Capturando e a reduzindo à rua x ou às edificações y? Pensando nas peças soltas que Calvino traz em sua narrativa, penso que o aqui brota é simplesmente a impossibilidade em falar do citadino num lugar de enrijecimento. Afinal, nada mais desmanchável que a vida (e numa cidade é talvez disso que se trate seu cerne). Como então falar dela senão em termos imprecisos? Importa se o que Marco Polo descreve é verídico/verdade? O que seria verdade? A visibilidade ordinária? As descrições objetivas e "fiéis" do que está sendo visto?
Uma outra coisa que preciso falar é a escrita magnífica desse livro. Uma das leituras mais lindas que já fiz. Poucas vezes vi algo assim. Há uma sensibilidade tão singela em cada cidade inventada com o autor, que em suas tantas diversidades eu só conseguia pensar: quanta vida há aqui!!! Antes dessa leitura, se eu descrevesse a cidade onde moro, provavelmente faria isso em termos de nomear as ruas, principais áreas, talvez falar um pouco das pessoas; enfim, tentando me prender ao evidente e um tanto quanto duro. Nada mais distante do que Calvino faz aqui: é a escrita não-nomeável de cidades cuja força é incapturável. Numa temporalidade outra, os limites lineares são destroçados; se atravessam tempos distintos, até que não saibamos delimitar. É isso! A ausência de delimitação, de forma. O livro jorra, vaza, transborda. Não há forma aqui. Os sentidos possíveis de serem criados com essas histórias são infinitas. Como falar da cidade senão de modo a abrir-se a esse infinito?
Daí fui ficando triste pensando em como as cidades estão cada vez mais padronizadas. As ruas e seus espaços cada vez mais semelhantes. A diferença parece ser aniquilada em prol de um uno identificador. Onde estão as esquisitices e raridades? Cadê a vida meu pooooovo?
Em relação a como li, particularmente não consegui ler de modo linear. Fui intercalando entre os temas das cidades e os diálogos entre Marco Polo e o imperador eu li todo de uma vez. Pretendo pegar esse livro algumas vezes em diferentes jeitos por curiosidade (acho que uma mudança pode se dar aí).
E em um dos últimos parágrafos mais marcantes que já li, fiquei pensando no empobrecimento que estamos vivenciando no modo como nos relacionamos com a cidade. Estamos de tal forma distantes da vida desse espaço que as cidades têm-se tornado um verdadeiro "inferno dos vivos" nas palavras do Marco Polo. Aí o autor me joga uma bomba dessa: como fazer nesse inferno? Aceitar, pagar de doido e tornar-se uma parte dele? Ou buscar o que não é inferno nele mesmo, criando vida ali? Enfim, essa resenha tá cheia de pergunta pois tô com várias questões papocando aqui. Foi um livro lindo que pretendo ler muitas vezes. Ansioso para outras obras do autor: expectativas foram criadas.