Craotchky 11/01/2016Um mar sem superfície"Este livro é o que é, o que significa que ele pode não ser o livro que você espera que seja." CRK
Vencedor do prêmio Bram Stoker, A menina submersa é um daqueles livros que você não consegue comparar a nenhum outro; não há como fazer um paralelo com outro livro pois esse é quase único. Existem fatores peculiares que tornam este livro muito bom ao meu ver. Entretanto, fato curioso, estes mesmos fatores peculiares, tão bem vistos por mim, parecem desagradar muitos leitores.
A menina submersa é um livro narrado em primeira pessoa, ainda que a narradora frequentemente use também a terceira pessoa. Imp, nossa narradora, está escrevendo suas memórias. Porém, detalhe: por ser esquizofrênica, ela não consegue separar com precisão a realidade da fantasia, e claro, isso deve ser levado em conta pelo leitor. Certo episódio narrado aconteceu realmente ou não? E se aconteceu, aconteceu exatamente como narrado?
Ao mesmo tempo, ela mesma admite que sua narrativa é arbitrária, isto é, não cronológica, pois não tem certeza da ordem em que os eventos narrados aconteceram, sequer se os eventos realmente aconteceram. Ela nos conta o que lembra, ou o que acha que lembra, quando lembra. Ela, por exemplo, conta certo episódio mas admite que talvez esteja exagerando, ou pior, que talvez todo o episódio nunca tenha acontecido de verdade.
Imp, desde o começo, admite ter uma saúde mental deficiente. Nos diz que foi diagnosticada esquizofrênica, e não raro se auto intitula louca:
"Parecia justo ir até a parte sobre ser louca antes de qualquer coisa, como um aviso; portanto, se alguém chegar a ler isto, saberá que não deve acreditar piamente em tudo."
Isso mesmo, de cara ela avisa o leitor que não deve confiar em tudo o que é narrado pois nem ela tem certeza das coisas, embora afirme sua sinceridade. Porém, como ela diz:
"O que não significa dizer que cada palavra será factual. Apenas que cada palavra será verdadeira. Ou tão verdadeira quanto eu consiga."
É surpreendente perceber omo toda essa confusão mirabolante, toda essa balbúrdia, torna-se nossa, pois nós entramos na vida de India, mergulhamos na confusa mente dela e ficamos submersos nesse mar de verdades. Mas cuidado pois como ela mesma diz, nem todas as verdades são factuais, porém todas elas, sem exceções, são sinceras.
De minha parte, todos estes fatores tornam este livro extremamente instigante. Este livro possibilita ao leitor a oportunidade de montar a história. Cada leitura individual será diferente na medida em que cada leitor interpretará e tomará cada episódio a partir de suas próprias impressões.
Parece-me facilmente justificável a discrepância nas opiniões emitidas sobre esse volume. A questão é que é preciso mergulhar na leitura, na personagem principal, no seu modo de pensar, ver as coisas pela sua visão. Alguns leitores não gostam disso, ou simplesmente não têm paciência até essa imersão acontecer. Acabam abandonando o livro no princípio, ou pior, passam a leitura toda suspensos na superfície, não fazem a imersão.
De qualquer forma não tome minhas palavras como a Verdade sobre o livro. O único jeito de talvez ter uma opinião é lendo o livro. O livro merece e talvez necessite de atenção completa. Para melhor apreciar A menina submersa, por favor, dê exclusividade. Para uma imersão total nas memórias de India Morgan Phelps, memórias que são um gigantesco mar sem superfície.
"Seu coração é frágil, India Morgan. Seu coração é uma loja de louça e o mundo é o touro dentro dela. Seu coração é feito de vidro."
(Texto editado dia 27 de julho de 2019)