cbarbugiani 01/07/2022Jaipur, Índia, 1911. Anahita Chavan é uma menina de onze anos que não conhece o luxo, mas conhece o amor e sempre foi incentivada por Kamalesh, seu pai, a ser mais do que esperam que ela seja. Tira, sua mãe, é uma baidh, uma espécie vidente/curandeira a quem Anahita auxilia e de quem um dia herdará os mesmos dons. Quando Kamalesh morre inesperadamente, o sustento de Tira e Anahita fica prejudicado. As duas, então, passam a morar na zenana do Palácio da Lua, onde uma prima de Tira é marani. Nesta época, a Índia ainda era colônia da Inglaterra e haveria uma grande comemoração em Délhi para celebrar a coroação de Jorge V. É lá que Anahita conhece a princesa Indira, filha do marajá de Cooch Behar, de quem se torna grande amiga e acompanhante.
No ano seguinte, Anahita e Indira partem para estudar na Inglaterra. Em 1914, porém, o início da Primeira Guerra Mundial passa a impedir a livre circulação de pessoas e voltar para Índia é algo fora de cogitação. Por este motivo, durante as férias, as duas passam a ser hóspedes em Astbury Hall, uma suntuosa mansão em Dartmoor, região de charneca localizada no condado de Devon. A residência pertence a Maud Astbury, viúva do ex-residente britânico de Cooch Behar. Anahita e Donald Astbury, filho mais novo de Maud, ficam muito próximos durante o período que antecede a partida do rapaz para a guerra. Ao longo da mesma, os dois se correspondem e seguem nutrindo um carinho genuíno e uma mútua admiração, até que a guerra chega ao fim e o reencontro acontece. Quem não fica nada feliz com esta situação é Maud, que quer ver o filho casado com uma herdeira que possa garantir o futuro de Astbury Hall. E ela não medirá as consequências de seus atos até conseguir o que deseja.
Darjeeling, Índia, 2000. Toda a família de Anahita está reunida em comemoração ao seu aniversário de 100 anos. Anahita nunca se recuperou totalmente da perda que sofrera quando era jovem e passou a vida tentando encontrar respostas. Seu tempo, porém, está acabando, e ela precisa que sua missão continue. Anahita delega a função para Ari Malik, seu bisneto, que não aceita o imbróglio de bom grado e o deixa de lado por muitos e muitos anos.
Dartmoor, Inglaterra, 2011. Ari está passando por um momento difícil por conta de uma desilusão amorosa causada por ele mesmo. Em um dia particularmente ruim, Ari lembra da história que Anahita havia lhe entregado onze anos antes e começa a lê-la. O que ele encontra nas páginas envelhecidas pelo tempo lhe intriga profundamente, e ele parte para Inglaterra a fim de finalmente dar continuidade a missão deixada por sua bisavó.
A atriz norte-americana Rebecca Bradley acaba de chegar em Astbury Hall para filmar uma produção de época e imediatamente é arrebatada pela mansão. Ela é muito bem recebida por Anthony, lorde do lugar, ainda que o título não valha mais nada. Anthony é muito reservado e se mantém distante de todas as pessoas envolvidas na produção do filme, porém, por alguma razão, com Rebecca é diferente. Ela não se incomoda com o tratamento que lhe é dispensado, até que algumas coisas começam a lhe intrigar.
Em dado momento, Ari chega fazendo perguntas sobre Anahita. Anthony, esquivo, não é de muita ajuda. Interessada, Rebecca começa a querer saber mais sobre a vida da indiana. Juntos, eles vão descobrir a verdade. A de Anthony, a de Anahita e a deles próprios.
Sabe aquele livro que a gente tira da estante já sabendo que vai ser uma leitura daquelas? Esta é a sensação que eu tenho com todos os livros de Lucinda Riley. Com A Rosa da Meia-Noite, claro, isto não foi diferente. Com uma escrita primorosa, a autora nos presenteia com uma história que explora a exuberância da Índia de maranis e marajás, com uma trama de segredos e mentiras escondidos entre as paredes da mansão de uma família da aristocracia inglesa e com os encontros e desencontros de um amor proibido. Tudo isso, claro, em meio a uma narrativa que mescla passado e presente, uma das marcas registradas da autora.
A Rosa da Meia-Noite é um livro muito difícil de ser resenhado por conta da complexidade se sua história. Há muitos acontecimentos, muitos personagens e diversas alternâncias temporais que se estendem do começo ao fim da história.
Anahita Chavan é uma das personagens mais altruístas que a literatura já me apresentou. Ela cresceu livre de sentimentos ruins e sua alma pura não foi corrompida nem pelas mais perversas atitudes de terceiros para com ela. Uma pessoa boa como Anahita não merecia sofrer, porém, infelizmente, não é isso o que acontece. Acompanhamos a protagonista desde sua tenra idade até seus cem anos; durante todo este tempo, ela come o pão que o diabo amassou e passa a vida à procura de respostas. Ao longo deste longo e tortuoso caminho, em certos momentos, a benevolência da protagonista chega a causar certa revolta, mas há beleza em seu calvário e durante o mesmo nós aprendemos muito sobre resiliência, fé e esperança.
Já Ari Malik, bisneto de Anahita, não poderia ser mais diferente da bisavó. Ainda que seja uma boa pessoa, Ari é ambicioso e sempre coloca o trabalho em primeiro lugar. Ele encara a tarefa deixada por sua avó com grade ceticismo, mas em sua busca pela verdade de Anahita, Ari encontra a sua própria verdade. Assim como Ari, Rebecca precisa se encontrar. Apesar da vida glamourosa que leva, a jovem atriz encontra-se em uma crise existencial e ainda por cima se vê no meio de um relacionamento midiático com um decadente ator viciado em drogas.
Astbury Hall é praticamente um personagem nesta história. Este é o terceiro livro de Lucinda que leio onde uma casa histórica possui praticamente vida própria. A autora utiliza este artifício muito bem, tornando a mansão um portal que liga o tempo e a história destes personagens. E é em Astbury Hall, mas precisamente em seu passado, que nos deparamos com personagens que têm papel de destaque na vida de Anahita.
Donald, grande amor da protagonista, é um personagem agridoce. Ainda que eu sentisse que seu amor por Anahita era genuíno, sua fraqueza e insegurança me incomodavam. Muito! Donald sentia a pressão de ser um Astbury e se deixava ser dominado por Maud, sua detestável, amarga e preconceituosa mãe.
Donald e Anahita se conhecem às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Ainda que este triste acontecimento de nossa história não tenha um papel de grande destaque na narrativa, podemos sentir a mudança no tom da mesma antes, durante e depois, porque, querendo ou não, os personagens são afetados de alguma maneira. Preocupações outrora longínquas tornam-se urgentes, como é o caso do futuro de Astbury Hall. Maud faz de tudo para impedir que Anahita e Donald fiquem juntos, ainda que isso custe a felicidade de seu filho. Tudo para não perder a glória do nome, o status social e "pureza" da linhagem.
Ainda sobre os personagens, não posso deixar de mencionar Indira e Anthony. A primeira é a melhor amiga de Anahita e é extremamente mimada! Como filha de uma marani e um marajá, Indira nunca teve nenhum desejo negado e chega a tratar as pessoas como objetos que ela usa até se cansar. Indira é aquele tipo de pessoa que quando é boa, é muito boa, mas quando é indiferente ela é péssima. A amizade, inclusive, tem alguns momentos bem tóxicos que eu não consegui engolir. Anthony, por sua vez, é uma grande incógnita. Como o último Astbury remanescente, é nele que Ari deposita as expectativas de sua busca por respostas.
Há muitos outros personagens interessantes, mas não posso discorrer sobre todos eles. Apenas saibam que vocês encontrarão uma gama de personagens interessantíssimos; personagens estes que erram, acertam, sofrem, choram, sorriem, pecam, se redimem. Ou seja, personagens humanos como você e eu.
A Rosa da Meia-Noite é um romance histórico, mas no livro também podemos encontrar uma boa dose de drama e até mesmo elementos sobrenaturais. Tira, mãe de Anahita, possuía dons que foram herdados por sua filha. A abordagem deste plot é singela, mas faz todo sentido dentro da proposta da história e vai de acordo com a maneira como a cultura indiana e seu misticismo são apresentados. E por falar em cultura indiana, Lucinda Riley nos leva em uma incrível viagem (assunto no qual ela é mestra!!! Haja visto a série ?As sete irmãs, sr passando um em cada país!!!). Sem ser prolixa, a autora descreve cenários, roupas, ornamentos, construções... é uma narrativa bastante imersiva e empolgante.
Tive apenas duas ressalvas, uma envolvendo Rebecca e sua possível ligação com os Astburys e uma envolvendo a história de Anthony: ambas parecem bem mal resolvidas e como se o livro ja fosse longo o suficiente e ?não desse tempo? de resolver isso também. Lamentável esses pontos em suspenso. Mas o livro vale muuuuuito a pena!