Paulo 11/10/2022
É possível resistir à barbárie
Uma novela “cult” que narra a incursão do protagonista-narrador Marlow no interior do Congo nos idos de 1890, conduzindo um precário barco a vapor por entre a selva africana. Ao longo da viagem, Marlow vai aos poucos recebendo informações sobre o outro protagonista, Kurtz, desbravador que havia ido ao Congo para civilizar os nativos, mas acaba sendo “selvagizado” por eles.
Na época, o Congo estava sob domínio do Rei Leopoldo II da Bélgica. Apesar de propagandear falsas intenções humanitárias e científicas para “civilizar os selvagens” que lá habitavam, o monarca é tido como o responsável por explorar as riquezas africanas e dizimar boa parte de sua população.
A história é baseada na própria experiência do autor, que fora contratado por uma companhia belga para conduzir um navio pelo Rio Congo naquela época.
Marlow desenvolve interessantes reflexões enquanto desbrava a selva africana:
“É impossível transmitir a sensação vital de qualquer época da existência de alguém - isso que dá sua verdade seu significado - sua essência sutil e penetrante. É impossível. Vivemos, assim como sonhamos - sozinhos…”
“Não gosto de trabalho, homem nenhum gosta, mas gosto do que há no trabalho - a chance de se encontrar. Sua própria realidade - para si mesmo, não para os outros - o que nenhum outro homem jamais poderá saber.”
Além de denunciar os abusos e atrocidades cometidos pelo imperialismo belga, a obra atinge traços universais ao pintar a oposição entre Marlow e Kurtz: o primeiro, consciente, consegue conviver com a barbárie sem ser absorvido por ela; o segundo, onipotente, deixa-se dominar pelo sinistro e se transforma numa espécie de líder dos bárbaros.
Essa dicotomia entre a possibilidade de resistência ao mal ou sua entrega definitiva a ele, afinal, é o drama moral de todos os seres humanos.
O livro não me encantou. Talvez a sequência em que o li (após “A morte de Virgílio” e “O processo Maurizius”, dois livros sensacionais) tenha lhe sido desfavorável.